sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Medicina no Cariri




                                                           Batista de Lima


         J. Flávio Vieira é médico em Crato. É também escritor e pesquisador, já com vasta obra publicada. Nos últimos dez anos, mergulhou na história da medicina no Cariri e produziu uma volumosa pesquisa histórica. As fontes consultadas e o rigor metodológico de que se utilizou dão a impressão de tratar-se de tese de doutoramento. Para isso, a rica bibliografia utilizada e os arquivos do Instituto Cultural do Cariri e da Biblioteca Nacional convencem o leitor de que o autor da obra é pesquisador meticuloso além de escritor de fácil manejo do vernáculo.
         “Dormindo à borda do abismo – a Medicina no Cariri cearense – 1800/1900” é o título da obra. Para chegar à sua realização, J. Flávio delimitou sua pesquisa no Século XIX e fixou-se nas cidades que compõem a parte cearense da região do Cariri. Também enfatizou as pestes que dizimaram populações nessas localidades. Entre essas doenças, destaque para o cólera, seguindo-se a varíola, a febre amarela, a bexiga e as doenças venéreas. Ao mesmo tempo, foi mostrando, ao longo do texto, os médicos heróis que enfrentaram essas pestes em um trabalho de missionários.
         As primeiras vítimas dessas doenças foram os índios que habitavam a região e que foram infectados a partir do contato com os primeiros europeus que chegaram ao Cariri. A partir daí, as grandes secas, com a fome por que passou essa população, tornaram-se porta aberta para a disseminação das pestes. Foi a partir dessas constatações que J. Flávio começou a identificar os primeiros médicos que se dedicaram a salvar esse povo adoecido. Foram abnegados que enfrentaram crenças e meizinhas primitivas oriundas do povo indígena, dos africanos e das influências ibéricas.
         O livro, editado pela Expressão Gráfica e Editora, em 2018, traz 418 páginas de informações comprovadas pela grande quantidade de documentos escaneados e postos em suas páginas. Até as fotografias desses antigos médicos, bem como os desenhos de Reis Carvalho compõem uma iconografia que enriquece a obra. J. Flávio Vieira também apresenta os costumes da época, as sofríveis condições sanitárias das cidades e o choque entre a medicina moderna que chegava e as tradicionais meizinhas de uso pela população. Daí que a aplicação das vacinas era acompanhada às vezes pela polícia diante da desconfiança da população.
         Durante a leitura é necessária uma parada para se refletir na importância do trabalho da Comissão Científica de Exploração que esteve no Crato entre dezembro de 1859 e março de 1860. O olhar médico de Freire Alemão e os desenhos do pintor José Reis Carvalho destacaram-se na leitura feita pela Comissão e chegada aos olhos da Corte imperial. Também as pesquisas de George Gardner, deixadas em livro, merecem destaque. Isso tudo culmina com o “Relatório” do Dr. Antônio Manoel de Medeiros, o grande combatente do cólera no Cariri, herói ainda desconhecido das nossas gentes.
         Por fim, o leitor chega à conclusão de que está diante de um tratado histórico não só em torno da medicina caririense, mas da própria formação social daquele povo. José Flávio Vieira se põe ao lado de Irineu Pinheiro, J. de Figueredo Filho e João Brígido como o quarteto de intelectuais que teceram a rede dos fatos que compõem a história caririense. É evidente que o assunto não foi esgotado, principalmente com relação ao fenômeno místico de Juazeiro. Acontece que dos quatro, só J. Flávio está em atividade. Daí que o leitor curioso põe sob sua responsabilidade, a continuação dessa pesquisa. Para nossa satisfação, sabe-se que ele continua sua garimpagem em torno de um segundo volume.
          
        

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