O Tiro de
Guerra 12-007 instalou-se em Matozinho, sob a batuta inicial do Sargento Perlomeno Fildácio. Fiu-Fiu, como passou a ser
carinhosamente conhecido na vila, apesar
do apelido gaiato, era linha dura. Viera do Rio Grande do Sul, dizia-se de
nobre descendência germânica, mostrava-se intransigente com a disciplina e patriota
de carteirinha e tinha verdadeiro pavor de comunistas. Sem muitos querequequés
não demonstrava nenhum pejo em puxar o fio de teses embasadas no darwinismo
social. Para ele, a qualidade de qualquer pessoa, como a de um cachorro, tirava-se
pelo pedigree. Como diabos podia dar certo um país como o nosso, uma salada de
negro burro vindo da África, índio
preguiçoso e branco bandido expulso de Portugal ? -- perguntava-se,
seguidamente, em voz a três escalas, do alto da sua patente, um Perlomeno de
voz de camelô. Além de tudo, bradava
para seus pupilos, como se ajeita um cabaré como o Brasil , comandado por
políticos corruptos , eleitos muitos com o dinheiro do Crime Organizado ? Para
ele só havia uma solução : uma guerra civil, encabeçada pelo glorioso exército
pátrio, balas e rajadas de metralhadora para todo o lado. Depois, restando
apenas a capitã Eva e major Adão, se começaria tudo de novo.
Fiu-Fiu
, a máxima autoridade militar em Matozinho, começou , então, a treinar os
primeiros soldados da vila que, depois, fariam parte da reserva para futuras
missões de guerra. Utilizando a técnica do esporro, rápido o sargento deu-se
conta da difícil missão que lhe tinha sido confiada. Adolescentes, acostumados
com espingarda soca-soca, baladeira e bodoque, pouco afeitos a horários fixos, a inabilidade para o serviço militar era
flagrante naquele fim de mundo. De grito
em grito, de esporro em esporro, de prisão em prisão, Fiu-Fiu foi aos poucos
tentando pôr disciplina nas tropas. A
primeira providência tomada : a escolha
de um cabo, entre os reservistas, para lhe ajudar na condução dos trabalhos.
Optou por Faustino, um sujeito meio broco,
de Bertioga, mas entroncado e forte, com força de um Ferrabrás. Cabo Faustino tomou ares hierárquicos e começou
a cobrar das tropas exercícios físicos extremados e respeito rígido aos
horários. Numa das festividades do TG, a prefeitura oferecera um jantar à
tropa, em comemoração ao dia do soldado. Faustino, acostumado a comer com as
mãos, fazendo capitão, de repente viu-se diante de instrumentos estranhos que
precisavam ser manipulados na solenidade:
garfo e faca. Tomou um susto e fez a interrogação que achou mais plausível :
--- Oxe! Se
má pregunto : E aqui vocês comem aqui é cum TAIÉ ?
A partir
daquele dia, para sua ira, começou a ser chamado, por seus subordinados, de
Cabo Taié. Talvez, para amenizar mais o
clima, Fiu-Fiu adotou uma cadela, pé-duro que foi aos poucos ficando pelo TG,
incentivado pelo resto de comida que o sargento passou a lhe fornecer. Taié
passou a cuidar de “Pátria Amada” --- esse foi o nome patriótico com que o
sargento a batizou, como se tratasse de uma cachorrinha de madame. Nas marchas
da tropa e solenidades, levava-a sempre à frente, puxada por uma coleira
bonitinha e coberta com uma espécie de roupa onde existia um brasão de armas ,
dos dois lados, e o nome : “Exército Brasileiro”. Adotaram, depois, um cão da
mesma raça indefinida. Alguns soldados propuseram um nome de peixe, como
Traíra, Cruvina ou Baleia, pois isso protegê-lo-ia de hidrofobia. Fiu-Fiu
fincou pé, achou o nome muito peba, e preferiu a nobreza do mar: batizou-o por “Polvo”.
No 7 de setembro, o Tiro de Guerra 12-007 desfilou
brilhantemente pelas ruas de Matozinho. Apresentou, em marcha picada, os
primeiros recrutas gloriosos da Vila. Terminada a solenidade, o prefeito
Salustiano Bandeira mandou chamar o sargento para parabenizá-lo pelo desfile.
Coube ao chefe de gabinete saudar a autoridade militar. Empertigado, com lenço
na mão, em gesto teatral, Adelino de Zé Peitica, assim terminou seu discurso:
--- Matozinho
sente-se feliz e honrada sabendo que agora tem soldados prontos a morrem pela
sua defesa. Obrigado Sargento pela sua inteligência e perspicácia! Atrás de Seu
Fiu-Fiu, eu pergunto, quem somos nós ? Jumentos, sargento ! Rígidos jumentos
prontos para a ação, mas meros jumentos !
Diante da pulsante
ameaça, algo velada e jumentosa, Fiu-Fiu resolveu bater em retirada. Chamou
Taié e quis imediatamente saber onde estava “Pátria Amada”. O cabo deu uma
volta nos arredores e voltou aterrorizado:
--- Sargento, “Pátria Amada” tá no cio e tem uma
ruma de cachorro cobrindo ela. E pior, estão apoiando as batas em cima do “Exército
Brasileiro”.
--- O que ?
Que blasfêmia é essa, Cabo Taié ! E “Polvo”, cadê o “Polvo”? Não toma nenhuma
providência ?
--- O Polvo
parece que é capado, sargento Fiu-Fiu, tá só lá olhando, olhando... e não faz
porra nenhuma !
Crato, 13/09/2018
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