J. Flávio Vieira
A segurança de Matozinho sempre foi entregue a três ou quatro samangos
que corriam o risco eterno de morrer de enfado ou de preguiça. Tanto assim que
Severo , o mais tranquilo guarda local,
era um dos mais procurados para indicar pules no jogo do bicho, tanto vivia a
dormir e sonhar pelos cantos da delegacia. A cadeia local vivia entregue às
moscas e o escrivão, Toinho do BO, já até desaprendera a escrever. As embuanças resolviam-se na rua : bebedeiras, briga de
marido e mulher, tapas no pé-do-ouvido e muxoxos. Raramente as lambedeiras
faziam bainha em bucho de gente. Matozinho,
assim, não podia ter queixas da sua polícia municipal.
A coisa pesava, no
entanto, quando, periodicamente, principalmente em tempos de eleição, a Polícia
Militar do estado vinha mostrar serviço na cidade. Os milicos chegavam, então,
enfatiotados, com ar de superioridade, humilhavam os guardas locais e sojigavam
o povo, a toda hora, dando geral, buscando armas, colocando sob suspeita tudo quanto era de vivente. Nesta ocasiões, de
preferência, prendiam logo os dois mais conhecidos malacas da Vila : “Panelada”
e “Caititu”. Os dois possuíam uma
extensa Folha Corrida preenchida de falcatruas, como pequenos furtos, negócios enrolados, compra e
venda de cheques sem fundo, receptação de objetos afanados, contratação de
pistoleiros e coiteiros, estelionatos de pequena monta. Os dois
malandros viviam destes rolos , mas tinham uma profissão oficial que lhes
envolvia numa certa aura de honestidade. “Panelada” dizia-se mecânico numa
pequena oficina na periferia da vila, e “Caititu”
exercia a especializadíssima profissão de coveiro.
Pois, naqueles dias, a
Polícia Militar entrou com estardalhaço em Matozinho. Vinha investigar o roubo
reiterado de cargas de caminhão. Dirigiram-se diretamente ao Dr. Olímpio
Matagão, o juiz de direito em exercício, naqueles cafundós do judas. Olímpio sempre fora mais desmantelado que
queda de helicóptero. Fazia acordos com rábulas por debaixo dos panos, vendia
sentenças, sem pejo, como quem negocia gimgibirra ou quebra-queixo em banca de feira.
Contava-se dele que , um dia, tendo negociado com um matuto uma sentença a favor, numa briga de terra, o babaquara
invadiu uma audiência de Matagão e gritou , como se fora a coisa mais natural
desse mundo :
--- Seu juiz, eu vim
trazer o dinheiro que o senhor pediu pra julgar aquela questão a meu favor !
Matagão encolerizado,
levantou-se , saiu empurrando o matuto à base de safanões, gritando-lhe
impropérios , até jogá-lo atrás de uma porta, e, enquanto metia-lhe a mão no bolso e pegava
o maço, lhe sussurrou :
--- Tá doido , Mané !
Isso se dá é detrás da porta e não na frente dessa ruma de fofoqueiro !
Matagão, de posse das
informações da PM, já pensando em alguma ôia que pudesse vir do Sindicato dos
Caminhoneiros , arrolou as figurinhas carimbadas de sempre , a fim de colher
informações : “Panelada” e “Caititu”. O primeiro a ser ouvido : “Panelada”.
Olímpio, com ar sério e
enérgico, começou o interrogatório e o jogo de caça ao rato :
--- “Panelada”, você conhece “Caititu”?
O malaca já
providenciou o primeiro drible:
--- Conheço
sim, seu juiz ! Mas caçaram tanto que quase num tem mais esse bicho aqui em
Matozinho ! Tá em extinção !
Olímpio , exasperou-se
:
--- Não se
faça de engraçadinho não, seu moleque ! Você sabe de quem eu tô falando !Me
fale dos caminhões !
“Panelada”
providenciou o segundo traço :
--- Tem o Fênemê, o Chevrolet e o Ford ! O senhor
tá querendo comprar um ?
Matagão,
nervoso, voltou a atacar:
--- Quero
saber, se você sabe quem está nas estradas tirando os carregos ?
--- Na de
Bertioga, o terreiro de “Pai Catolé”. Na estrada de Serrinha, pode
procurar “Mãe Zulene de Iansã”.
Fulo da vida, Matagão
mandou que levassem “Panelada”, que driblava melhor que Garrincha na direita, e trouxessem “Caititu” para o interrogatório. Quem sabe ele
não resolveria cooperar? O homem chegou naquela tranquilidade típica dos
inocentes.
Matagão,
recompôs-se e atacou :
--- “Caititu”,
você conhece “Panelada”?
O malaca
mostrou que não entregaria o jogo fácil:
--- Conheço,
seu juiz ! Mas deus me livre de comer ! Fico logo impando !
Olímpio percebeu
que estava diante de um outro Pelé e
interrogou novamente:
--- Você tá
se fazendo de mal-entendido, seu malaca ! Diga logo onde esconde a carga
roubada dos caminhões !
Caititu nem
bateu a passarinha :
--- Sei
disso não, seu doutor ! Carga ? Caminhão ? Eu sou coveiro, não vendo casa, não
vendo óleo, não vendo leite... Nem sentença, seu juiz, nem sentença ...
Matagão
entendeu a indireta e , fumaçando por todas as chaminés, ameaçou :
---- Venha !
Venha !Sabia que eu possa deixar você apodrecendo na cadeia, seu meliante ?
Caititu nem
mudou o tom de voz e deixou claro a vantagem que levava sobre o juiz por ser
coveiro :
--- O senhor
pode me prender, seu doutor ! Fico lá um ano, dois, dez, mas um dia eu saio !
Agora se eu prender vocimicê, eu quero é ver ! O Senhor não sai de lá mais é
nunca !
Crato, 12/05/2017
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