Entre tantas notícias mal cheirosas , que superpovoam nossa mídia
tão amestrada e tão entulhada de filtros próprios e higiênicos, uma, mais
colorida, me saltou aos olhos nesta
semana. Na Espanha um grupo de amigos, que se conheceu na média idade,
empreendendo caminhadas e percorrendo trilhas, resolveu se reunir, anos depois,
todos no outono da existência, dividindo um mesmo condomínio. Criaram uma
República aos moldes das de estudantes, mas agora para a terceira idade. Num
determinado momento da existência se puseram a perguntar: por que não dividir a
curta estrada à frente com amigos diletos e fraternos, testemunhas oculares dos
épicos episódios de nossas vidas? Fugiam, assim, da companhia superprotetora
dos filhos e netos, distanciavam-se dos abrigos de idosos onde teriam que
conviver com estranhos, sobreviventes de outras tragédias , protagonistas de
alheias comédias. Construíram condomínio adequado aos seus longos anos, com
projetos arquitetônicos específicos, administrado
por eles mesmos, com áreas de jardinagem, de atividade física, acompanhados por
profissionais habilitados nas mais diversas áreas ( fisioterapia, enfermagem,
ludoterapia, etc). Hoje já somam mais de oitenta inquilinos e a experiência tem
se reproduzido em toda a Europa. Segundo
os moradores , existiu um momento, nas suas vidas, em que os filhos cresceram e
se tornaram independentes, pois agora é a vez dos pais , arribarem de casa e
alçarem voos próprios.
Pus-me a
pensar , já me acercando dos momentos em que estes pensamentos costumam nos acicatar,
o quanto inteligente e prazerosa terá sido essa iniciativa. Imaginem se cercar
dos nossos amigos mais diletos, com tempo para degustar memórias e histórias,
dividir experiências e angústias, numa fase da vida que costuma primar pela
solidão e desesperança !
De repente,
porém, me caiu a realidade como um
bólido sobre a cabeça. Estou no Brasil, onde a idade pesa como outro qualquer
preconceito; onde a experiência acumulada de nada vale. Os idosos são um mero rebotalho
da sociedade, sangradores da previdência e que, para piorar tudo, teimam em não
morrer. Sem amparo estatal de asilos que lhes deem guarida, com os pouquíssimos
descendentes que pudessem ser incriminados como abandonadores de incapazes ;
com a consciência pesada por estarem minando os recursos do país com seus
achaques, hordas de idosos perambulam pelas ruas como espantalhos. Agora, já
sem direitos de aposentadoria, seguirão,
como os judeus libertos dos campos de concentração, em pleno inverno, para a marcha da morte.
A maior prova
de desenvolvimento de qualquer nação está na maneira como trata aqueles que
estão fora das frias regras da produtividade capitalista : os idosos e as
crianças. Somos apenas uma balela, um arremedo de país: sem visão social, sem
atenção às nossas fragilidades, sem solidariedade humana , com cidadãos de
primeira, segunda e terceira categorias e, hoje, ainda , fincando novos
pelourinhos a cada dia. Nem uma democracia mais temos! Construímos condomínios
como os da Espanha, sim, mas lá
colocamos apenas engravatados, almofadinhas, marajás, todos imunes às leis . E
pior, todas as taxas condominiais pagas pela população pobre e escravizada,
aquela que está do lado de cá do muro.
Essa talvez
seja, hoje, o maior fel que contamina a vida dos idosos. A certeza de que todos
lutaram em vão, que fizeram sacrifícios das suas vidas e do seu tempo, no altar
da pátria, por deuses espúrios,
impiedosos e insensíveis. Plantou-se a semente de uma árvore que devia abrigar
, com suas sombras, o destino de todos. Frutificou, no lugar, uma planta carnívora , devoradora de
liberdade, aspirações e esperanças.
Crato, 13/01/2017
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