sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Condomínio Brasil

                                  Entre tantas notícias  mal cheirosas , que superpovoam nossa mídia tão amestrada e tão entulhada de filtros próprios e higiênicos, uma, mais colorida,  me saltou aos olhos nesta semana. Na Espanha um grupo de amigos, que se conheceu na média idade, empreendendo caminhadas e percorrendo trilhas, resolveu se reunir, anos depois, todos no outono da existência, dividindo um mesmo condomínio. Criaram uma República aos moldes das de estudantes, mas agora para a terceira idade. Num determinado momento da existência se puseram a perguntar: por que não dividir a curta estrada à frente com amigos diletos e fraternos, testemunhas oculares dos épicos episódios de nossas vidas? Fugiam, assim, da companhia superprotetora dos filhos e netos, distanciavam-se dos abrigos de idosos onde teriam que conviver com estranhos, sobreviventes de outras tragédias , protagonistas de alheias comédias. Construíram condomínio adequado aos seus longos anos, com projetos arquitetônicos específicos,  administrado por eles mesmos, com áreas de jardinagem, de atividade física, acompanhados por profissionais habilitados nas mais diversas áreas ( fisioterapia, enfermagem, ludoterapia, etc). Hoje já somam mais de oitenta inquilinos e a experiência tem se reproduzido em toda a Europa.  Segundo os moradores , existiu um momento, nas suas vidas, em que os filhos cresceram e se tornaram independentes, pois agora é a vez dos pais , arribarem de casa e alçarem voos próprios.
   
                                    Pus-me a pensar , já me acercando dos momentos em que estes pensamentos costumam nos acicatar, o quanto inteligente e prazerosa terá sido essa iniciativa. Imaginem se cercar dos nossos amigos mais diletos, com tempo para degustar memórias e histórias, dividir experiências e angústias, numa fase da vida que costuma primar pela solidão e desesperança !
                                   De repente, porém,  me caiu a realidade como um bólido sobre a cabeça. Estou no Brasil, onde a idade pesa como outro qualquer preconceito; onde a experiência acumulada de nada vale. Os idosos são um mero rebotalho da sociedade, sangradores da previdência e que, para piorar tudo, teimam em não morrer. Sem amparo estatal de asilos que lhes deem guarida, com os pouquíssimos descendentes que pudessem ser incriminados como abandonadores de incapazes ; com a consciência pesada por estarem minando os recursos do país com seus achaques, hordas de idosos perambulam pelas ruas como espantalhos. Agora, já sem direitos de aposentadoria,  seguirão, como os judeus libertos dos campos de concentração, em pleno inverno,  para a marcha da morte.
                                 A maior prova de desenvolvimento de qualquer nação está na maneira como trata aqueles que estão fora das frias regras da produtividade capitalista : os idosos e as crianças. Somos apenas uma balela, um arremedo de país: sem visão social, sem atenção às nossas fragilidades, sem solidariedade humana , com cidadãos de primeira, segunda e terceira categorias e, hoje, ainda , fincando novos pelourinhos a cada dia. Nem uma democracia mais temos! Construímos condomínios como os da Espanha, sim,  mas lá colocamos apenas engravatados, almofadinhas, marajás, todos imunes às leis . E pior, todas as taxas condominiais pagas pela população pobre e escravizada, aquela que está do lado de cá do muro.   
                                 Essa talvez seja, hoje, o maior fel que contamina a vida dos idosos. A certeza de que todos lutaram em vão, que fizeram sacrifícios das suas vidas e do seu tempo, no altar da pátria, por  deuses espúrios, impiedosos e insensíveis. Plantou-se a semente de uma árvore que devia abrigar , com suas sombras, o destino de todos. Frutificou, no lugar,  uma planta carnívora , devoradora de liberdade, aspirações e esperanças.


Crato, 13/01/2017

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