J. Flávio Vieira
Existe coisa , neste mundo, mais suja
que folha corrida de político ? Só poleiro de pato ou cara de guri comendo
chocolate. Imaginem, vocês, isso numa cidade como Matozinho , perdida no meio
das brenhas, onde a única tênue ligação com o resto do planeta se fazia pelo
fio telégrafo ? Ali político casava e batizava, totalmente imune ao Tribunal de
Contas e à Responsabilidade Fiscal. Ajudava na blindagem uma razão óbvia: a
Prefeitura era a grande empregadora da Vila : substituía o comércio pífio e as
indústrias inexistentes. Matozinho , como na Divina Comédia, tinha seu céu( os
correligionários do prefeito), seu purgatório ( os indecisos) e o inferno ( a oposição). Havia uma só arma de
grosso calibre que furava a impenetrável blindagem política : a corrosiva
língua do povaréu. Aquela sempre se consumara como a defesa única dos oprimidos
e espoliados: a fofoca, a intriga, o disse-me-disse, o penicado eterno de
oratórios. A maior parte das vezes, claro, as histórias eram verídicas , os
escândalos reais, apenas acrescidos de um pouco de Fermento Royal nas praças e
nas rodinhas de esquina. Em caso, no entanto, do jornalismo não ajudar, a
ficção sacava-se prontamente como
recurso necessário e imprescindível e a cada conto se ia, claro, acrescentando
um ponto, até que toda a trama estivesse urdida. As fofocas eram sempre sussurradas nos becos e bancos: Andaram me contando... Dizem as más línguas... Vendo o peixe pelo preço
que comprei... Esta história tem que ficar aqui, é segredo , se disserem que eu
disse eu nego mais que Pedro na Santa Ceia...Quem lá tinha coragem de
enfrentar de peito a máquina forrageira da prefeitura ?
As
regras , no entanto, mudaram naquele dia em Matozinho, devido , se acha, a
alguns fatores depois devidamente arrolados. Jojó Fubuia assistira no Rádio
Cliper velho do Bar de Godô ao destempero
de um tal de Joaquim Barbosa que saíra , como um soldado de volante , na
captura dos cangaceiros do Mensalão. O
homem cuspia fogo pelas narinas como dragão e aquilo impressionou Jojó que
sempre teve nariz meio virado para direiteza demais, honestidade excessiva. O
certo é que, depois de umas meropéias,
saiu ataiando frango do bar e investiu-se, imediatamente, de virulência
judicial , de super-poderes barbosianos.
Na calçada, já debulhou, com alarido, todo o feijão com casca do prefeito Sinderval
Bandeira:
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Sinderval, ladrão de galinha ! Devolve o dinheiro do povo que tu anda tomando
emprestado, seu miserável ! Pensa que o cofre da prefeitura é teu bolso, é ?
Vai pastorar tua mulher , pra ver se diminui teus chifres, seu infeliz ! Tu é
como galo, desgraçado, tem chifre até nos pés !
Enquanto,
perigosamente, sem nenhum cuidado, atirava no ventilador o que o povo de
Matozinho comentava por debaixo dos panos, Jojó foi cambaleando em procura da
Praça da Matriz. Sinderval, àquelas horas, já estava usufruindo aquele sono mais
profundo do que o dos justos: o sono dos impunes. Num dos bancos da praça, no
entanto, estava esparramado , com alguns amigos, o velho Pedro Cangati, um dos
mais antigos chefes políticos da vila, agora na oposição, após a ascensão de Sinderval.
O passado de Cangati não tinha sido menos devassado pelo povo que o do atual
prefeito. Diziam-no larápio convicto, respondera processo por estupro de uma
adolescente que emprenhara dele e, comentava-se , com cuidados mais que
redobrados : depois de velho começara a
vazar corrente e deu para andar com rapazinhos a quem presenteava com tênis e bicicletas.
O
certo é que Jojó, no meio da sua imprecação contra Sinderval, topou num
indigesto vis-à-vis com o ex-prefeito Cangati, aboletado no seu banco. Pedro
preparou-se para a reação pronta e imediata, caqueando o vazio, em busca da
jardineira de doze polegadas. Fubuia fitou-o com aqueles olhos de bêbado --melosos
a meio pau-- , e, não perdeu a pose.
Arrancou, embasado nos argumentos do Domínio
do Fato e da Presunção de Inocência, os únicos elogiosos possíveis de se
fazer a um político no Brasil:
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Sinderval, seu safado ! Você devia era se espelhar no exemplo do grande Pedro Cangati ! Ele pelo menos é um ladrão
honesto, um baiotola macho, um estuprador donzelo !
Crato, 13/12/13
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