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Mas de onde teria saltado a imagem mítica que temos de São Jorge a combater implacavelmente o seu dragão ? É possível que tenha surgido da mitologia nórdica na figura de Sigurd , o caçador de dragões. O certo é que as baladas medievais cantavam as suas peripécias como filho do Lord Albert de Conventry e que sua mãe faleceu no seu nascimento tendo ele sido criado pela Dama do Bosque. Seu corpo possuía três marcas: um dragão em seu peito, uma jarreira em volta de uma das pernas e uma cruz vermelho-sangue em seu braço. Já rapazinho, viajando muitos meses por mar, chegou a uma cidade da Líbia onde encontrou um pobre eremita que lhe pôs a par do sofrimento da sua cidade. Ali existia um dragão feroz, de hálito venenoso e coberto de uma carapaça inexpugnável. Todo dia devorava uma donzela e, só assim, aplacava sua ferocidade. Agora só existia Sabra, a filha do rei que seria sacrificada no dia seguinte. O monarca prometera casamento a quem impedisse o sacrifício da princesa. Jorge enfrenta a fera e a mata com sua espada chamada Ascalon. O rei, no entanto, não queria ver sua filha casada com um cristão e o envia para Pérsia ordenando aos soldados que lá o matassem. Jorge, no entanto, se
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As lendas mitológicas não são histórias de Trancoso ou da Carochinha. Elas têm profundas raízes fincadas no inconsciente coletivo. O dragão , certamente, representaria o poder diabólico, a idolatria destruída com as armas da fé. A donzela seria a imagem onírica da província que se viu livre da heresia.O interessante é que Papa Paulo VI rebaixou nosso São Jorge a um santo menor, de terceira categoria, com culto opcional apenas em calendários locais. A força mítica, no entanto, falou mais forte, em 2000, João Paulo II terminou reconduzindo nosso guerreiro a um patamar de primeira instância, na hierarquia católica.
A história do nosso guerreiro nos dá margem para algumas reflexões. No fundo, a história narrada oficialmente está sempre embebida de lendas e mitos. Quanto mais o realismo se untar das fontes do fantástico mais perenes se tornarão seus relatos. A ficção é sempre mais palatável e digerível que a realidade nua e crua. O que adoramos em São Jorge não é sua valentia, sua santidade , mas a figura mágica que brota do meio de todas as lendas. O segundo ponto é que as figuras míticas sobreovam todos os livros sagrados; elas não pertencem a uma religião específica, mas se imiscuem em muitas crenças: apenas mudam um pouquinho o nome, as nuances. O mito, por outro lado, é indestrutível pelas armas convencionais; se os enfrentamos ferozmente ou os apoiamos eles crescem com a mesmíssima força. Não terá sido exatemente isso que aconteceu aqui pertinho com o Padre Cícero ? Perseguido, excomungado, de nada adiantou. Tornou-se santo pelas mãos míticas do seu povo. Tentar reabilitá-lo é apenas um mero artifício burocrático. O povo é que empunha a Ascalon , é ele que destrói seus dragões e salva suas Sabras. Às vezes, no entanto, é difícil perceber de onde rescende o hálito venenoso da fera .
Crato, 23/04/09
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