Tramita na
Câmara Municipal do Rio de Janeiro Projeto de Lei, proposto pela vereadora Amanda
Vettorazzo, no sentido de proibir a contratação e o patrocínio,
diretos ou indiretos, pelo Poder Público municipal, no todo ou em parte, de
artistas, considerando-os individualmente ou em grupos, que façam apologia ao
crime, incitem a violência nas apresentações, em todas as suas formas,
inclusive contra a mulher, bem como daqueles que empreguem ou incentivem o
trabalho infantil e o trabalho escravo. A Lei recebeu, popularmente, o nome
de Anti-Oruam, uma referência ao rapper do mesmo nome. Ele é filho de Marcinho
VP, preso atualmente por assassinato, formação de quadrilha e tráfico. O
artista, no entanto, é bom que se diga, tem ficha limpa. A proposta, como sempre, desencadeia uma série
de polêmicas, embora nem seja original,
em Salvador, desde 2019, já existe regulamentação similar em pleno vigor.
Observando de forma fria , com devido distanciamento, o projeto parece justo e impecável. Não soa justificável que o estado financie projetos que transitam em clara ilegalidade como as terríveis chagas brasileiras: violência contra a mulher, discriminação, apologia às drogas e ao trabalho infantil e escravo e o racismo. A liberdade de expressão é ampla, mas não infinita: tem seus limites justamente entre os parágrafos e incisos da lei. O polêmico mexe com estruturas mais profundas do poder. Ela mira em artistas reconhecidamente periféricos (embora de ampla audiência e reconhecimento na massa) , a turma do Funk e do Rap. Cheira sempre , pelo histórico brasileiro, a uma discriminação, tentando eliminar outra. Mais de 86% da população do Rio de Janeiro vive em favelas ou comunidades urbanas. As manifestações de raizes afro/indígena foram eternamente perseguidas no Brasil como o Candomblé, a Macumba, Capoeira, a Umbanda, as Bandas Cabaçais. São frequentes ainda hoje as vandalizações dos Terreiros. O Funk, o Rap, o Reggae, o Hip-Hop, o Brega são exorcizados como música de selvagens e de bandidos. Basta lembrar a ação intempestiva , em 2019, da PM de São Paulo que invadiu um Pancadão em Paraisópolis , deixando o rastro de nove adolescentes mortos e sete feridos com gravidade. O evento tinha mais de 5000 pessoas, sendo encurraladas em vielas estreitas e exterminadas como gado no abatedouro. Por outro lado, a preocupação não invade , por exemplo, o Forró de Isopor, voltado mais à Classe Média, com composições de terrível mal gosto, como aquela da bomba no Cabaré que propiciava a reconstrução, depois, da prostituta ideal, escolhendo pedaço por pedaço das que foram esquartejadas na explosão.
Sou totalmente a fazer da proibição do uso de dinheiro público no incentivo de qualquer crime ou incentivo à discriminação. Acredito, no entanto, que já existem leis suficientes regulamentando isso. É necessário não culpar o revólver pelo crime e, sim, quem puxou o gatilho. Proibir simplesmente parece uma medida inócua. Teria o mesmo efeito do marido queimar o sofá de casa para se vingar da esposa flagrada em adultério com o Ricardão. Esses ritmos periféricos fazem a música de protesto da atualidade. Envolvem um número expressivo de pessoas, mais de 16 milhões que vivem em favelas Brasil afora. Eles existem como denúncia de uma realidade perversa que atravessa, incólume, os mais de cinco séculos da história brasileira pós-Cabral. Quase um terço da população Brasileira vive em extrema pobreza, coisa de 72 milhões de viventes, seis vezes a cidade de São Paulo. Sua música é um grito reiterado da Favela mostrando suas chagas, a ausência do estado nas suas comunidades e o único amparo e seguro que possuem : a Milícia e o Tráfico, seus verdadeiros governantes. Como alguém comentou numa rede social: se quisermos que o povão passe a ouvir Mozart, Tom Jobim e Beethoven , é preciso fazer que ele, ao abrir a janela, contemple à sua frente uma Viena.
Crato, 21/02/25
Um comentário:
Foi uma defesa geral exuberante e emocionante!
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