sexta-feira, 25 de junho de 2021

República Socialista de Matozinho

 


uiga Urucum  recebeu o registro civil do nome estrambótico nas ruas de Matozinho. O sobrenome, dizia-se entre um corruchiado e outro ,         devia  ter saltado da sua profissão: preparava e vendia colorau. Muitos , no entanto, tinham uma outra versão. Nos anos 20,  a Coluna Prestes passara nas redondezas e Guiga, ainda rapazinho,  se viu enlevado pelo ideário socialista  e descambou pelo mundo com a rapaziada, tentando dá um cangapé na história do Brasil. O Urucum, assim, fazia menção àquela sua guinada vermelha pela foice&martelo. Crescendo e casando, a dureza da vida e o cotidiano pouco poético terminaram por arrefecer seu ímpeto revolucionário. Mas, assim mesmo, vez por outra vazava um “Trabalhadores do Mundo, Uni-vos !” , uma “Mais-Valia”, uma “Ditadura do Proletariado”.  Nos anos 40, num breve período em que  se tinha  instalado o Defeso na caça aos comunistas, chegou sorrateiramente em Matozinho,   Onevaldo Arupemba. Vinha das bandas da capital e parece que havia levantado a folha corrida de Urucum. Procurou-o em casa, após tomar informações sobre ele na praça e dizia-se representante de uma firma da capital , especialista em moquecas , e que pretendia lavrar um convênio com Guiga para fornecimento regular de colorau. Conversa vai, conversa vem, por fim, sem testemunhas, Onevaldo abriu o jogo. Estava ali em missão sigilosa  do Pecebão e o intuito era expandir a área de atuação do partido com fins de, futuramente, seja por vias formais do voto ou de luta armada, criar  a República Socialista do Brasil. Urucum, meio afastado das hostes políticas, sacudiu as teias de aranha daquela vidinha de Homo domesticus e criou alma nova.

                                    A dupla Arupemba e Urucum sabiam perfeitamente que quem quer pegar galinha não diz xô. Precisavam ir arrodeando, comendo pelas beiradas, como quem ataca angu quente. Aproveitaram , então, uma Renovação tradicional na Serra da Jurumenha para uma primeira palestra com os moradores e programaram para, a partir daí, irem alargando as ações em várias outras reuniões de  periferias, buscando levar o ideário socialista para as comunidades mais sofridas. Até chegar à Convulsão das Massas. O dono da casa da Renovação, Zé de Lica, era uma espécie de Beiço Influencer : zoadava e juntava gente, sob incentivo de reza, mucunzá e cana de cabeça. Terminada a primeira  parte da festa com abertura de Banda Cabaçal e rezas e benditos puxados pelas beatas e o serviço de bordo, Urucum , no meio da roda, apresentou Arupemba como um político da capital e que vinha apresentar os novos rumos por que devíamos transitar para atingir a felicidade da Nação.

                                    Arupemba, macaco velho, resolveu não fazer um proselitismo de alto nível. Era preciso adaptar o discurso para que o povo entendesse. Amarrar o burro na orelha do dono. Não tocou no nome Comunismo porque sabia que , por conta do vigário, o Padre Arcelino , aquele nome ali era palavrão, associado, imediatamente, a enxofre e fogo nas caldeiras de Belzebu. Explicou então que seu partido lutava pelo Socialismo onde a terra não era de um só dono, mas dividida por todos; onde as colheitas eram partilhadas pelos trabalhadores; onde ninguém passava fome e necessidade, não existiam pobres demais e nem ricos em excesso. Aquele era o mundo ideal pelo qual, seu partido, o PCB, lutava ardentemente. Terminada a preleção, acabada a cachaça de cabeça, os roceiros voltaram para casa, ruminando sobre os novos rumos que, em breve, alcançaríamos.

                                    No dia seguinte, Pedro de Lireda, procurou um compadre seu, Felismino , que também estivera na reunião e saíra tão encantado como ele, com os novos e brilhantes tempos pregados pelo Coach Arupemba. Pedro andava mais lascado que facho de caçada. Cumprimentou Felismino e disse a ele da sua situação periclitante e, agora que o Socilismo, enfim, estava sendo implantado em Matozinho, tinha lembrado que ele não tinha nenhuma montaria e o compadre, por sua vez possuía quatro cavalos fogosos, de maneira que ele estava ali lhe procurando para pegar os dois a que ele, pelas novas regras, fazia jus. Felismino, ouviu com atenção e respondeu:

                                    --- Pedro, tu não entendeu direito, não ! Socialismo é assim, meu amigo, se eu tiver uma dívida eu te procuro e divido contigo. Socialismo num entra nessa área de pecuária,  não. Aí já é da parte de veterinária e num tem nada a ver com política !

                                    Pedro, meio ressabiado, cheio de contas pelas bodegas, interessou-se ao menos pela explicação inicial do compadre.

                                    --- Pois , foi bom você lembrar Felismino! Tô cheio de contas nas bodegas e nas quitandas. Tu pode dividir comigo ?

                                    --- Nannn ! Aí é contramão. Eu disse que se eu precisasse eu te procurava ! Do jeito que tu tá querendo, isso num é Socialismo coisíssima nenhuma ! Pergunte a Padre Arcelino ! Isso é aí é comunismo !

 

Crato, 25/06/2021

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