G uiga Urucum
recebeu o registro civil do nome
estrambótico nas ruas de Matozinho. O sobrenome, dizia-se entre um corruchiado
e outro , devia ter saltado da sua profissão: preparava e
vendia colorau. Muitos , no entanto, tinham uma outra versão. Nos anos 20, a Coluna Prestes passara nas redondezas e
Guiga, ainda rapazinho, se viu enlevado
pelo ideário socialista e descambou pelo
mundo com a rapaziada, tentando dá um cangapé na história do Brasil. O Urucum,
assim, fazia menção àquela sua guinada vermelha pela foice&martelo.
Crescendo e casando, a dureza da vida e o cotidiano pouco poético terminaram
por arrefecer seu ímpeto revolucionário. Mas, assim mesmo, vez por outra vazava
um “Trabalhadores do Mundo, Uni-vos !”
, uma “Mais-Valia”, uma “Ditadura do Proletariado”. Nos anos 40, num breve período em que se tinha
instalado o Defeso na caça aos comunistas, chegou sorrateiramente em
Matozinho, Onevaldo Arupemba. Vinha das
bandas da capital e parece que havia levantado a folha corrida de Urucum.
Procurou-o em casa, após tomar informações sobre ele na praça e dizia-se
representante de uma firma da capital , especialista em moquecas , e que
pretendia lavrar um convênio com Guiga para fornecimento regular de colorau. Conversa
vai, conversa vem, por fim, sem testemunhas, Onevaldo abriu o jogo. Estava ali
em missão sigilosa do Pecebão e o
intuito era expandir a área de atuação do partido com fins de, futuramente,
seja por vias formais do voto ou de luta armada, criar a República Socialista do Brasil. Urucum, meio
afastado das hostes políticas, sacudiu as teias de aranha daquela vidinha de
Homo domesticus e criou alma nova.
A dupla
Arupemba e Urucum sabiam perfeitamente que quem quer pegar galinha não diz xô.
Precisavam ir arrodeando, comendo pelas beiradas, como quem ataca angu quente.
Aproveitaram , então, uma Renovação tradicional na Serra da Jurumenha para uma
primeira palestra com os moradores e programaram para, a partir daí, irem
alargando as ações em várias outras reuniões de
periferias, buscando levar o ideário socialista para as comunidades mais
sofridas. Até chegar à Convulsão das Massas. O dono da casa da Renovação, Zé de
Lica, era uma espécie de Beiço Influencer : zoadava e juntava gente, sob
incentivo de reza, mucunzá e cana de cabeça. Terminada a primeira parte da festa com abertura de Banda Cabaçal e
rezas e benditos puxados pelas beatas e o serviço de bordo, Urucum , no meio da
roda, apresentou Arupemba como um político da capital e que vinha apresentar os
novos rumos por que devíamos transitar para atingir a felicidade da Nação.
Arupemba,
macaco velho, resolveu não fazer um proselitismo de alto nível. Era preciso
adaptar o discurso para que o povo entendesse. Amarrar o burro na orelha do
dono. Não tocou no nome Comunismo porque sabia que , por conta do vigário, o
Padre Arcelino , aquele nome ali era palavrão, associado, imediatamente, a
enxofre e fogo nas caldeiras de Belzebu. Explicou então que seu partido lutava
pelo Socialismo onde a terra não era de um só dono, mas dividida por todos;
onde as colheitas eram partilhadas pelos trabalhadores; onde ninguém passava
fome e necessidade, não existiam pobres demais e nem ricos em excesso. Aquele
era o mundo ideal pelo qual, seu partido, o PCB, lutava ardentemente. Terminada
a preleção, acabada a cachaça de cabeça, os roceiros voltaram para casa,
ruminando sobre os novos rumos que, em breve, alcançaríamos.
No dia seguinte,
Pedro de Lireda, procurou um compadre seu, Felismino , que também estivera na
reunião e saíra tão encantado como ele, com os novos e brilhantes tempos pregados
pelo Coach Arupemba. Pedro andava mais lascado que facho de caçada.
Cumprimentou Felismino e disse a ele da sua situação periclitante e, agora que
o Socilismo, enfim, estava sendo implantado em Matozinho, tinha lembrado que
ele não tinha nenhuma montaria e o compadre, por sua vez possuía quatro cavalos
fogosos, de maneira que ele estava ali lhe procurando para pegar os dois a que
ele, pelas novas regras, fazia jus. Felismino, ouviu com atenção e respondeu:
--- Pedro,
tu não entendeu direito, não ! Socialismo é assim, meu amigo, se eu tiver uma
dívida eu te procuro e divido contigo. Socialismo num entra nessa área de
pecuária, não. Aí já é da parte de
veterinária e num tem nada a ver com política !
Pedro, meio
ressabiado, cheio de contas pelas bodegas, interessou-se ao menos pela
explicação inicial do compadre.
--- Pois ,
foi bom você lembrar Felismino! Tô cheio de contas nas bodegas e nas quitandas.
Tu pode dividir comigo ?
--- Nannn !
Aí é contramão. Eu disse que se eu precisasse eu te procurava ! Do jeito que tu
tá querendo, isso num é Socialismo coisíssima nenhuma ! Pergunte a Padre
Arcelino ! Isso é aí é comunismo !
Crato, 25/06/2021
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