Elpídio , depois de tanto desprezo, resolveu abandonar de vez
a Expocrato. É que nos últimos anos foi se sentindo, pouco a pouco, relegado a
um terceiro plano. Percebeu-se, por fim, como uma mosca dentro do Centro Cirúrgico.
Certo que nunca fora chegado à Pecuária
e aos mistérios da Agricultura, encantava-se, no entanto, com aquela muvuca de
sempre: a possibilidade de encontrar velhos amigos, a música , o filhóis , o
paraíso que ali carrega o nome enganoso
de Inferninho, a paquera . Sem falar
no Whisky que o transformava, facilmente, numa mistura de Leonardo de Caprio e
Bill Gates. De repente, teve a sensação
de que chegara em Marte. Música ruim, cerveja quente e cara , estacionamento a
preço de Avenida Paulista. Os próprios companheiros dos velhos tempos começaram
a rarear, tangidos, possivelmente, pelos mesmos fantasmas que agora o
atormentavam. As pretensas e prováveis paqueras já não tinham idade para
aguentar Wesley Safadão gritando no
ouvido , ou sertanejos se derramando em lágrimas . E as novas gerações estavam numa outra dimensão,
não se interessariam , nunca, por um goiabão da sua marca, sexy ( mas aquele
tipo de Sexy à Genário) com cheiro de Brilhantina
Glostora e perfume da Avon. Não tinha
mais o que fazer na Expocrato.
Este
ano, no entanto, uma novidade balançou suas estruturas. Soube da vinda do “Rei –
Roberto Carlos”. Voltaram, como por
encanto, as longas costeletas à Elvis, a calça Boca-de-Sino, o medalhão no
pescoço e o cabelo black-power. Roberto
escrevera a trilha sonora da sua juventude, cada música o transportava,
imediatamente, para uma sensação única : o cheiro de jasmim da menina de pastinha, a lombra do primeiro
baseado, o gosto do beijo roubado no portão... Além de tudo, com certeza, toda aquela geração
estaria reunida no show do “Rei”.
Elpídio
quebrou, então, a jura que fizera dois anos atrás: “Nunca mais pisarei na porcaria dessa Exposição!” . Comprou, ainda
relutante, o Ingresso Ouro e se preparou, ansiosamente, para os
“Detalhes tão pequenos”. E foram muitas e muitas “Emoções”... Música a música
foi como se projetassem , caleidoscopicamente, fragmentos da sua vida. A
plateia , educada e atenta, compunha-se de
incontáveis companheiros dos velhos tempos. Todos ávidos em apreender,
junto a cada canção, estilhaços felizes da existência que se foram partindo ao
longo do caminho. Elpídio percebeu em todos a mesma dupla sensação: a hipnose
com o brilho baço de momentos e
sentimentos afogados em meio às cinzas e
a angústia disfarçada de não mais ser possível refazer o cristal que se
esfacelou. Era como se todos estivessem ofuscados com o brilho de uma chama ,
sem perceber que era um mero fogo fátuo.
Elpídio
, então, voltou o corpo para a outra
extremidade da estrada. Parecia escura e tenebrosa, mas era sua única
possibilidade de seguir em frente. Poderia permanecer postado em meio ao
caminho apenas contemplando , saudoso, o fogo fátuo: mero esboço da ardente fogueira
de outrora. Despiu-se, calmamente, jogou
longe os chinelos e partiu nu , na vereda desconhecida , aproveitando a fosca luz que vinha de trás, pra não sei onde, pra até quando, pra quem
sabe um dia...
Crato, 06/08/15
2 comentários:
O que dizer? Magnífico!!!!!
Abraço, Jordana, obrigado pela leitura
Postar um comentário