sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Treva e o Arco-Íris



Existem momentos na vida onde
 a questão de saber se se pode pensar
diferentemente do que se pensa,e perceber
diferentemente do que se vê,
 é indispensável para continuar
 a olhar ou a refletir.

J. Flávio Vieira
                                    Há dois sentimentos correlatos  que pairam , como uma nuvem  negra, sobre a cabeça dos cratenses. De um lado , o Saudosismo crônico, perceptível, claramente, nas gerações mais antigas. Estas pessoas viveram,  plenamente, aquilo que se considera o apogeu da Vila de Frei Carlos: os três primeiros quartéis do Século XX. Conheceram uma cidade cônscia do seu passado glorioso, com  seus múltiplos pioneirismos : O Araripe, primeiro Jornal do interior do Ceará ( 1854); a nossa centenária Banda de Música; o Cinema Paraíso (1911), o primeiro do interior do Nordeste;  a primeira instituição educacional do interior do Ceará, o Seminário São José ( 1875); D. Bárbara do Crato, a primeira heroína brasileira; o Hospital São Francisco, primeiro de todo Sul Cearense. Saltam ainda aos olhos figuras históricas de porte nacional, nascidas, formadas ou criadas nas margens do nosso Rio Grangeiro :  o pintor Vicente leite; o cineasta e diplomata Hélder Martins;  o Senador Alencar; Tristão Gonçalves; os escritores Ronaldo Correia de Brito, Batista de Lima, Fran Martins; os cineastas Hermano Penna, Rosemberg Cariri, Jéfferson Albuquerque Júnior;  os poetas Zé de Matos, Cego Aderaldo, Geraldo Urano; o semeador de universidades , Martins Filho; o escultor Sérvulo Esmeraldo; místicos como o Padre Cícero e o Beato Zé Lourenço,  isto apenas para citar alguns.
                                    O outro sentimento que se junta ao nosso saudosismo inveterado é, certamente,  o  Pessimismo. Ele advém do destino tomado  por nossa vila, nos últimos trinta anos.  Os amantes do Crato carregam um certo complexo de inferioridade, um certo travo, quando percebem, claramente, que  se comparados, em termo de progresso, com outros municípios próximos , aparentemente ,  temos murchado e não mantivemos o mesmo ritmo de Juazeiro, Barbalha, Brejo Santo.  Atiram-se farpas para tudo quanto é lado, procurando culpados, principalmente na área política, pela suposta hecatombe. E traçam-se estratégias esquisitas , na busca de um remédio para a hemorragia , como copiar o Turismo Religioso do Juazeiro, atraindo os romeiros, construindo estátuas gigantescas que rivalizem com as do Padre Cícero. Ora, as cidades, como as pessoas,  têm sua própria  vocação .  Inclinações não se criam do nada, pela simples vontade, de um ou outro cidadão. Seria como um pai , tendo um filho com tendência natural para o comércio, tentar fazê-lo maestro de orquestra sinfônica.  Seria possível ?  Talvez, mas sem aptidão  inata, jamais se transformaria num Beethoven ou num Chopin.  
                                   A visão do  desfalecimento do Crato é vesga. Observamos apenas com um olhar profundamente capitalista.  Interessa-nos o olhar frio dos livros de Economia. Mesmo que aumentássemos imensamente o nosso PIB, o benefício viria para todos, ou apenas para a pequena parcela de ricos e afortunados ? Sempre tivemos uma vocação Cultural e ecológica por conta da nossa Chapada Nacional do Araripe. O progresso o que nos trouxe ? Só benefícios ? Em nome dele , desmatamos profundamente nossa reservas, poluímos nossos rios, destruímos todo o nosso patrimônio arquitetônico. O povoamento desordenado das encostas tem trazido prejuízos difíceis de se avaliar. Vale o progresso a todo custo ? O aparente desenvolvimento das cidades circunvizinhas( na realidade uma inchação) tem trazido junto seus imensos efeitos colaterais : trânsito caótico,  colapso na infra-estrutura, violência crescente.
                                    O último Índice de Desenvolvimento Humano no Ceará(IDHM) mostrou que perdemos apenas para Fortaleza , ficamos em terceiro no estado, empatados praticamente com Sobral ,que ocupa o segundo lugar.   Este índice mede três indicadores básicos : longevidade, educação e renda. Queiramos ou não, vivemos num éden. Hoje, com as grandes cidades caririenses  praticamente conurbadas ,  havendo um contínuo fluxo entre elas, há necessidade de buscarmos  este progresso a qualquer preço, sob risco de piorar a qualidade de vida dos nossos habitantes ? Por que não alimentarmos nossa vocação natural, centrando nossas atenções na Cultura da nossa terra e na nosso imenso capital  ecológico ?  Talvez o saudosismo e o pessimismo que invadem a alma dos cratenses dependam apenas  do ângulo para onde focamos nosso olhar:  se deste lado há treva, do outro corre um rio cristalino e um arco-íris circunda os céus.

Crato, 11/04/14

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