A ÁRVORE E A BRISA DO NORTE
De repente, nossa cidade viu-se assaltada por um
terrível espectro: a morte quase diuturna de jovens em pleno frescor da vida.
Acidentes seguidos, doenças consumptivas acabaram destruindo a alegria de
muitas famílias que passaram a carregar a a inigualável dor de sobreviver aos
filhos. Imaginem uma roseira que na
primeira florada, mal brotam-lhe os primeiros botões, se vê, de repente, arrancada da terra por uma
áspera lufada de vento. Pelo chão espalham-se atônitas : raízes sôfregas pela seiva agora inalcançável;
as folhas murchas e estilhaçadas em busca de seus galhos e os botões saudosos
das pétalas futuras que nunca mais desabrocharão. As árvores, ao derredor,
pasmas, sequer conseguem compreender as razões do crime perpetrado: o futuro
mergulhado na areia movediça do acaso e do imponderável. As flores futuras não
mais untarão de polens as asas das abelhas e o bico dos beija-flores. Das
sementes vindouras não mais irromperão brotos de vida. E faltará ao mundo o
brilho encantador e inefável das cores das rosas que feneceram antes mesmo de
germinar. Os galhos agora ressequidos já não frutificarão, a vida foi cindida
na sua totalidade: embrião, cotilédones,
fruto. Como arrancar dos mistérios da floresta uma explicação para a tragédia ?
Os duendes das matas nos
sussurram oníricas visões sobre a catástrofe. Vejam que a arvorezinha, tolhida
em plena primavera, não sofrerá os rigores do inverno vindouro. Não padecerá,
também, no verão que já se prenuncia com seus fulgores e suas intempéries. No
outono já não se sentirá desnuda, com todas as folhas caídas em volta, à espera
das roupas novas que a próxima primavera lhe deveria trazer como presente. Não
lhe foi dado tempo, também, para
constatar a voracidade dos animais e o jogo duro de poder que flui dos embates
diários da cadeia alimentar. O acaso eximiu-a, também, da decrepitude que lhe
trariam os anos, quando todas suas seivas secariam e passaria a ser apenas um
espectro, com os galhos retorcidos e sem folhas. A arvorezinha teve aos olhos apenas a visão da
fase mais florida e encantada da vida e levou consigo a única lembrança que lhe tocou a percepção : um mundo repleto com o verde das matas, o cantar relaxante do
regato, o gorjeio de sedução do sabiá no tronco da baraúna.
Toda a flora continua atônita
, no entanto, com o brusco e terrível
corte da cimitarra do destino. Lembremos
porém da árvore que fascinou e encheu de cor a floresta e a sua simples
existência , sua brevíssima presença
entre nós, tem que ser celebrada como um milagre da vida. Sem aquela
arvorezinha que tão prematuramente se viu tolhida pela brisa do norte , o mundo
não seria o mesmo, a floresta não teria as mesmas nuances e todos que se
acalentaram com sua seiva e seu vigor teriam, hoje, a visão de um mundo mais
cinza e menos florido. De alguma maneira a arvorezinha rebrotou no coração de
todos aqueles que a viram um dia. Vive
em todos nós, nos inunda com suas sementes, nos perfuma com suas flores e seus
frutos haveremos de colher todos os dias, opimos e deliciosos, porque nos
chegam imersos em finas e gotículas de vida e de eternidade.
J. Flávio Vieira
11/11/13
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