segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A ÁRVORE E A BRISA DO NORTE


                        De repente, nossa cidade viu-se assaltada por um terrível espectro: a morte quase diuturna de jovens em pleno frescor da vida. Acidentes seguidos, doenças consumptivas acabaram destruindo a alegria de muitas famílias que passaram a carregar a a inigualável dor de sobreviver aos filhos.  Imaginem uma roseira que na primeira florada, mal brotam-lhe os primeiros botões,  se vê, de repente, arrancada da terra por uma áspera lufada de vento. Pelo chão espalham-se atônitas :  raízes sôfregas pela seiva agora inalcançável; as folhas murchas e estilhaçadas em busca de seus galhos e os botões saudosos das pétalas futuras que nunca mais desabrocharão. As árvores, ao derredor, pasmas, sequer conseguem compreender as razões do crime perpetrado: o futuro mergulhado na areia movediça do acaso e do imponderável. As flores futuras não mais untarão de polens as asas das abelhas e o bico dos beija-flores. Das sementes vindouras não mais irromperão brotos de vida. E faltará ao mundo o brilho encantador e inefável das cores das rosas que feneceram antes mesmo de germinar. Os galhos agora ressequidos já não frutificarão, a vida foi cindida na sua totalidade:  embrião, cotilédones, fruto. Como arrancar dos mistérios da floresta uma explicação para a tragédia ?
                   Os duendes das matas nos sussurram oníricas visões sobre a catástrofe. Vejam que a arvorezinha, tolhida em plena primavera, não sofrerá os rigores do inverno vindouro. Não padecerá, também, no verão que já se prenuncia com seus fulgores e suas intempéries. No outono já não se sentirá desnuda, com todas as folhas caídas em volta, à espera das roupas novas que a próxima primavera lhe deveria trazer como presente. Não lhe foi dado tempo, também,  para constatar a voracidade dos animais e o jogo duro de poder que flui dos embates diários da cadeia alimentar. O acaso eximiu-a, também, da decrepitude que lhe trariam os anos, quando todas suas seivas secariam e passaria a ser apenas um espectro, com os galhos retorcidos e sem folhas.  A arvorezinha teve aos olhos apenas a visão da fase mais florida e encantada da vida e levou consigo a única  lembrança que lhe tocou a percepção :  um mundo repleto com  o verde das matas, o cantar relaxante do regato, o gorjeio de sedução do sabiá no tronco da baraúna.
                   Toda a flora continua atônita , no entanto, com o  brusco e terrível corte  da cimitarra do destino. Lembremos porém da árvore que fascinou e   encheu de cor a floresta e a sua simples existência , sua brevíssima presença  entre nós, tem que ser celebrada como um milagre da vida. Sem aquela arvorezinha que tão prematuramente se viu tolhida pela brisa do norte , o mundo não seria o mesmo, a floresta não teria as mesmas nuances e todos que se acalentaram com sua seiva e seu vigor teriam, hoje, a visão de um mundo mais cinza e menos florido. De alguma maneira a arvorezinha rebrotou no coração de todos aqueles que a viram um dia.  Vive em todos nós, nos inunda com suas sementes, nos perfuma com suas flores e seus frutos haveremos de colher todos os dias, opimos e deliciosos, porque nos chegam imersos em finas e gotículas de vida e de eternidade.  

J. Flávio Vieira

11/11/13

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