J. Flávio Vieira
Nossa casa é o nosso
ninho, uma espécie de prolongamento do útero materno. É lá onde nos
completamos, onde temos resumida, num ínfimo cantinho, toda substância do universo. Batem-nos as atribulações
à porta , a vida nos prega uma peça e imediatamente nos vem à mente o refúgio
da nossa casa , ali onde há uma história em cada tijolo, uma esperança em cada
ladrilho, onde o relógio de parede mastiga, incessantemente, os minutos e
instantes da existência, junto com todas
nossas tristezas e frustrações. Nossa casa tem uma fragância peculiar, o
travesseiro é mais macio, a rede mais confortável , não deve haver nenhum lugar
no mundo, por mais rico e abastado que seja, que nos faça mais descansados ,
leves e acolhidos do que na nossa casinha.
É possível que seja por isso nos sentimos tão estrangeiros quando nos
hospedamos em residências de amigos e parentes.Por mais amistosos e bons
anfitriões que sejam , a comparação é inevitável , em pouco temos uma louca
saudade do nosso lugarzinho. Mesmo quando viajamos e nos hospedamos em hotéis ,
sem a preocupação de estar incomodando ninguém, quando pagamos pelo conforto e
pelos serviços, mesmo assim, em pouco , nos vem aquela incontrolável falta de
casa. Viajar é bom, principalmente, porque é uma satisfação de mão dupla: bom
quando partimos e desenfastiamos da nossa terra e ótimo quando retornamos para
casa e megulhamos na tepidez reencontrada do lar- doce- lar.
Poucas pessoas têm a felicidade de
conhecer uma outra casa que tenha os mesmos braços abertos, a mesma sombra
acolhedora, a mesma tranquilidade que a
nossa. Os felizardos que tiveram um dia esse privilégio , ganharam metade da
vida, muitas vezes encontrando ali, além do aconchego da sua primeira casa,
detalhes, peculiaridades que multiplicaram a alegria do primeiro ninho. Nesse
outro cantinho, difícil explicar o porquê, nos sentimos, sem nenhuma força de
expressão , como em nossa própria casa.
Fui um desses raros sortudos. Conheci a Casa da Tia Júlia ,
uma entidade encantada que vivia com um sorriso nos lábios e uma flor de jasmim
no cabelo. Tia Júlia era a própria encarnação da hospitalidade. Todos se
sentiam repoltreados, única e exclusivamente porque a querida tia nos acolhia
como de casa, sem mudar as rotinas domésticas, sem criar falsas expectativas . O Almoço era
servido às 11 e o jantar às 17 e quem quisesse provar da mais típica cozinha
nordestina tinha que estar presente nesses horários sagrados. Qualquer hóspede
de última hora era servido se acrescentando um pouco mais de água no feijão e
um ovo era sufciente ,às vezes, para empanturrar cinco comensais – a Tia tinha
a divina capacidade de refazer o milagre dos pães. Não faltava rede para
ninguém e, uma vez, era tamanho o número de hóspedes, que tive que armar a
minha em dois armadores de uma mesma
parede e dormi o sono dos arcanjos. A Tia acolhia quem lhe batesse à porta :de
parentes distantes a aderentes ou meros conterrâneos. Ali era simples perceber
que a felicidade está nas pequenas coisas, nos mínimos e imperceptíveis gestos,
que o amor, a bondade, a solidariedade são sentimentos que vivem nas mais discretas, minúsculas e
despretensiosas ações – adoram a penumbra e o anonimato.
Creio que o mundo seria melhor se
conseguíssemos descobrir a essência com que a Tia atapetava a sua casa e que a
fazia mágica e encantada , até que um dia ela precisou partir e deixou, entre
todos que a conheceram, seu inolvidável cheiro de jasmim...
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