A questão referente a Sakineh traz consigo um sério impasse ético. Na nossa visão ocidental, existe uma perversidade impensável na sentença imposta à iraniana. Que direito tem o estado de se imiscuir numa pendência de caráter francamente afeito à individualidade da pessoa humana? E mesmo que se tipifique o adultério como crime, a pena de morte nos salta aos olhos como uma loucura ímpar. Mas surge, no horizonte, a encruzilhada ética: temos o direito, com nossa cultura ocidental, de julgar os atos, as leis, os costumes de uma outra cultura? Qual o balizamento para se depreender que nós estamos certos e eles errados? Eles, do seu lado, têm o mesmo sagrado direito de nos julgar segundo suas regras e tradições. Para que lado a verdade puxará o fiel da balança?
Por outro lado, quase ao mesmo tempo, os jornais estamparam o caso da Eliza Samúdio suspeita de ter sido trucidada cruelmente pelo goleiro Bruno em Belo Horizonte. Sem falar no assassinato da advogada Mércia Nakashima, de São Paulo, cujas evidências levam a suspeita da autoria ao namorado Mizael. Mera coincidência? Infelizmente, não! No Brasil, por incrível que possa parecer, a pena de morte contra a mulher é uma instituição organizada e azeitada. Na última década mais de 41.000 mulheres foram mortas, uma média de 10 a cada dia. Destes casos, mais da metade foi causada por motivo fútil, como meras discussões domésticas. 10% envolviam ciúmes e, um outro tanto, o uso de drogas. No Ceará mais de mil boletins de ocorrência são feitos a cada mês por violência contra a mulher.E aqui, entre nós, só no ano passado, foram assassinadas 147 e --pasmem, amigos ! -- 23 só aqui no Cariri.
No mundo todo, a situação do sexo feminino não é menos vulnerável. Estima-se que na América Latina e Caribe entre 25% a 50% das mulheres sofrem violência doméstica. Segundo o Banco Mundial entre 5 a 16% dos anos saudáveis de uma mulher são perdidos por conta da violência, que só nos Estados Unidos custa entre 5 a 10 bilhões de dólares todo ano.
Como vemos, a absurda penalidade imposta a Sakineh, não lhe é exclusiva. Até mesmo a crueldade da execução é quase uma regra: apedrejada , esquartejada, oferecida à ração de cães, afogada, queimada. O que varia ? No Irã, o estado submete o réu ao menos a um a julgamento, faccioso , parcial, certamente. Entre nós, no entanto, o júri , o juiz e o carrasco são os próprios companheiros destas jovens que as executam sumariamente sem nenhum direito a defesa.
Para combater essas as formas de opressão é preciso ter coragem de mergulhar no pântano e buscar a raiz da árvore carnívora.. É preciso, no entanto, lembrar que a absurda pena imputada a Sakineth é mais visível e mais fácil de se lutar contra ela. A violência doméstica, no entanto, é mais insidiosa, mais virulenta, mais oculta, mais multifacetada. Ela está na raiz de quase todas as formas de violência do mundo e, como um cupim, destrói lentamente toda a tessitura das relações humanas. Uma estranha ponte une Sakineth a Eliza Samúdio. Desarmemos os corações e as mentes! Antes de tudo tem-se que entender que somos todos animais que há pouco descemos das árvores e ainda não conseguimos de todo escapar da Lei da Selva, da prevalência do instinto sobre a razão. Quem nunca compactou com alguma forma de violência que atire a primeira pedra!
18/08/10
3 comentários:
zé flávio, postei dois comentários a esta sua postagem no cariricult.
abraços.
caro Lupin,
vi há pouco os comentários e respondi. Obrigado e grande abraço
zé flávio, por motivo de força maior saí do cariricult.
a discussão está lá no blog.
acho que feri a vaidade do salatiel.
"pequei" (por ingenuidade) só numa coisa: me excedi no número de postagens diárias.
não conseguia ver o blog naquele vazio sepulcral que às vezes ele se tornava.
fui postando e não fui contido e só agora o salatiel de uma vez me joga essa no colo.
a convivência parecia tão saudável.
não conhecemos mesmo o "mal" que se esconde por trás dos corações humanos.
tinha tanta coisa ainda pra mostrar para as pessoas que sei gostariam de ver.
fiquei triste mas, não me deixarei abater.
saio do blog com bons amigos no coração.
é isso, amigo.
abraços.
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