- Quem quiser que eu cante o boi
É de me dar quatro vitém,
A depois do boi cantado (bis)
Todos gostam muito bem.
“O Rabicho da Geralda”.
Quem se detiver um pouco no nosso processo de Colonização haverá de entender que o país foi, pouco a pouco ,ocupado na sua região costeira. A expansão em busca do nosso inóspito interior começou a acontecer, um pouco depois, por conta do maior impulsionador de aventuras e descobertas deste mundo: a ambição. A mineração fez com que um sem número de garimpeiros adentrassem sertão afora, em busca de ouro e pedras preciosas. No dizer inesquecível do nosso grande Bilac, eles sequer percebiam, na sua busca, o verdadeiro tesouro : iam plantando um colar brilhante de pousos e vilarejos e plantando as pérolas de uma civilização futura. Do outro lado, de importância similar no Brasil, e bem superior em todo Nordeste brasileiro, a atividade pecuária , introduzida pelos colonizadores portugueses, expandiu-se interior adentro, tornando-se imprescindível às atividades econômicas da Colônia. Primeiro por conta da possibilidade de servir de transporte como veículo de tração, máxime nos engenhos de cana de açúcar, depois por servir de alimento básico à população e finalmente por ceder o couro , artefato indispensável ao modus vivendi da Colônia. A criação de gado se tornou entre nós a mais importante atividade de fixação do homem no campo. Nossos centros mais antigos de criatório vinham do Nordeste Canavieiro, se estendendo do Médio São Francisco até o Rio Paraíba , nas fronteiras do Piauí e Maranhão. O Boi, então, tão presente entre nós, nas nossas antigas sesmarias, passou a ser um companheiro próximo, quase um irmão do homem interiorano. E ele rapidamente se mitificou entre nós. Este ato não poderia ser de todo imprevisível, já que o Boi estava fartamente presente na mitologia de vários povos. Animal sagrado no Egito e na Índia; Guardião do Labirinto de Creta; personificação de Zeus; a primeira letra do alfabeto hebraico é representada pelo boi. Nesta complexa e ambivalente simbologia o Boi representa o espírito macho combativo, o poder fertilizante, vezes ligado à sexualidade, vezes à força espiritual.
No Nordeste brasileiro, pois, é inequívoca a presença do boi na nossa Cultura. Nos nossos romances populares mais históricos e tradicionais pululam a sua figura : “O Boi Surubim”, “O Rabicho da Geralda”, “O Boi Espácio”, “O Boi Liso”, “O Boi Misterioso”; “O Boi Mão de Pau” e tantos incontáveis outros. A maior parte dos nossos folguedos populares, também, contam com a presença mitológica do Boi. Um dos mais importantes entremezes do nosso Reizado, é o boi. O Carnaval de Olinda possui vários bois famosos , como o emblemático “Boi da Macuca”. “O Boi-Bumbá” um dos mais portentosos folguedos brasileiros, presente em muitos estados do Nordeste, segundo alguns pesquisadores, nasceu no Piauí , coincidentemente um dos Estados brasileiros onde a atividade pecuária foi mais difundida no Século XVII e início do XVIII. Nos estados do Norte do Brasil, como Maranhão, Pará e Amazonas, o “Boi-Bumbá” é, de longe, a festa mais importante. Talvez muito por conta da atividade pecuária e, um outro tanto, pela profunda colonização advinda do Nordeste brasileiro, onde os cearenses, legitimados judeus brasileiros, se tornaram a parcela mais importante desta diáspora.
O ouvinte certamente já deve ter visto pela TV “A Festa do Boi de Parintins”ou “Festival Folclórico de Parintins”, uma verdadeira ópera aberta, que acontece num grande estádio, chamado de “Bumbódromo”, anualmente, em fins de Junho. A pequena cidade de Parintins , à margem do Amazonas, se entope de gente. O estádio mal consegue acomodar os mais de 35.000 espectadores. A TV transmite o espetáculo para todo o mundo. O Festival acontece desde 1965 , nestes moldes , envolvendo no ritual personagens inúmeros : O levantador de toada, o amo do boi, a Sinhazinha da Fazenda, Porta Estandarte, Rainha do Folclore, Cunhã-Poranga e muitos outros, todos envoltos e embalados num figurino lindíssimo e num cenário de encher os olhos. A disputa se faz historicamente entre dois bois : “O Garantido” e o “Caprichoso” e toda a região se divide entre estas duas agremiações, com toda a rivalidade própria das torcidas de futebol.
Pois bem, amigos, aqui vem o mais interessante, “O Boi Caprichoso” , vencedor das últimas duas edições do Festival, foi fundado por cratenses da gema: Raimundo Cid, Pedro Cid e Félix Cid. Os três teriam migrado do município de Crato, passando pelos estados do Maranhão e Pará, até chegarem à ilha de Parintins em 1913, onde fizeram uma promessa a São João Batista para obterem prosperidade no novo município. Isso foi motivado pelas influências recebidas pelos Cid durante a trajetória até a ilha, quando puderam conhecer vários folguedos juninos por onde passaram. Duas manifestações folclóricas chamaram a atenção: o Bumba-Meu-Boi, maranhense, e a Marujada paraense.
Tudo isto é sintomático da força da cultura caririense, o coração cultural do Ceará. Os irmãos Cid, que não têm parentesco com nosso atual governador, refizeram ,caprichosamente distante, o mito do testamento do Boi :
“ E pra quem vai a língua
Do nosso Boi Cariri ?
--- Manda lá prá Parintins !