sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

7,2 na Escala Richter

 




O terremoto de hoje é de 7.2 na Escala Richter. E basta observar o Armagedon: alguns castelos de ilusões foram abaixo;  edifícios que pareciam, antes, indestrutíveis ruíram aos primeiros tremores; sonhos despedaçaram-se sobre muitos escombros. Contemplando o horizonte, em meio ao entulho, vemos que, junto, muitos amigos e companheiros foram soterrados pelas camadas sedimentares do tempo. O cenário em que desfilei por tantos anos, como ator principal do meu “Esperando Godot”, desabou em meio aos tremores tectônicos. Cruzam nas ruas , agora, figuras espectrais esquisitas e que passam por mim, sem um cumprimento, como se fizessem parte de uma outra dimensão. Fica-me sempre a dúvida se sobrevivi ao abalo sísmico ou se sou apenas um fantasma peregrino, numa romaria em busca de um  santo inexistente e uma hóstia que já não sangra. E, às vezes, me bate aquele dúvida penetrante: o verdadeiro desastre é sair ileso ou ser soterrado ? Sobreviver não nos tira o risco dos tsunamis secundários, significa apenas  não ter  soçobrado dessa vez. As placas tectônicas da vida, no entanto, continuam a deslizar umas sobre as outras, a calmaria que sucede à hecatombe é apenas a perspectiva inexorável do novo tremor de terra. Ele virá novamente, com a imprevisibilidade típica  dos ritos essenciais, e , talvez, dessa vez eu já não seja sorteado. Serei apenas mais um aterrado pelas camadas estratificadas do senhor Tempo . Sobre mim serão construídas outras histórias e civilizações. Com sorte, num futuro longínquo, me tornarei um pedacinho de uma  peça fossilífera de um arqueólogo curioso. Apenas um artefato sem nome e sem história -- se o acaso me for cúmplice: esse dente siso pertenceu a um homem de 80 anos, provavelmente procedente do Século XX da era Cristã.  

                   Baixados a poeira e o trauma do cataclismo  é preciso, em meio à fumaça e ao pó ( substância e essência de cada ser vivo) , divisar um mundo possível e idílico. Reconstruir o castelo de areia,  esquecendo  a preamar.  Juntar os amigos que ainda nos enxergam, revolver os escombros , construir com eles algumas barracas, acender a fogueira e comer a comida conforme ela é servida. A vida, afinal, é esse pouco que conseguimos desfrutar entre um e outro sismo.  

 

Crato, 20 de Dezembro de 2024

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

A Grande Matozinho

 

               


A recente quebra do sigilo nas investigações da PF sobre a Intentona de Golpe de Estado de 2022 revelou dados estarrecedores , já previsíveis: o Brasil faz parte da Grande Matozinho. Imaginem aí o primitivismo  de altos comandantes das Forças Armadas brasileiras na articulação de uma cisão no estado democrático de direito, projeto digno de um Exército de Brancaleone. E os antecedentes já eram dignos de um episódio do Chaves. Em 2019, o sargento da FAB  Manoel Silva Rodrigues transportou quase quarenta quilos de Cocaína no avião do então chefe do  GSI, General Heleno, da comitiva do então presidente Bolsonaro. Preso pela alfândega espanhola,  descobriu-se, depois, que já era a sétima vez que exercia a atividade de muambeiro da FAB, sem que o nosso Serviço de Informações, comandado por Heleno, tenha desconfiado de nada. O amadorismo reapareceu no ano passado quando o General do Exército Mauro Lorena Cid fotografou a si mesmo junto com o relógio pertencente ao Brasil, açambarcado por Bolsonaro, entregando-se como contrabandista e estelionatário comum para a PF. Naquele período crítico, em que estivemos na iminência de esganar a Democracia,   surgiu  um outro capítulo digno de “Os Trapalhões”. Anderson Silva, que se escafedeu para os EUA  no apagar das luzes do governo anterior, então ministro da justiça, deixou no armário a minuta de um Decreto que permitia a Bolsonaro instaura um Estado de Defesa no TSE, anulando a eleição em que fora derrotado. E a série de trapalhadas não tem fim: a reunião na casa do Ministro Braga Neto , em 12  novembro de 2022, logo depois da derrota, em que combinavam o Golpe de Estado e ( pasmem vocês!) o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Morais, foi filmada e uma cópia está acoplada ao inquérito da PF, na Operação Contragolpe. Ali Mauro Cid, o Major Rafael de Oliveira e o Ten. Coronel Ferreira Lima entre outros tramavam, a vivas voz e imagens,  o uso da Elite do Exército, chamada de Kids Pretos, na trama do assassinato, a criação de um grupo de WhatsApp chamado de Copa 2022,  e uma vaquinha de R$ 100.000, para custear as despesas logísticas da Intentona. Resta saber se a grana saiu dos cofres públicos. Dados do grupo foram também acessados facilmente pela PF, com conversas transcritas. Os Kids Pretos estiveram junto dos atos de vandalismo do 08 de Janeiro e assessoraram os grupos que se reuniam defronte dos quartéis.  Eles , inclusive, segundo a PF, estiveram prestes a executar Alexandre de Morais, não o fizeram por conta de a reunião do STF ter terminado mais cedo do que o esperado. Rafael deixou rastros nos seus deslocamentos, uma digital numa CNH e a PF tem a gravação de toda a operação e a combinação pelos celulares. A SWAT brasileira trabalhou como um reles vigia de meio de rua. O plano para executar Lula e Alckmin passava pelo uso de venenos que seriam colocados em bebidas ou alimentos. Claro que, na cabeça deles, a execução das três autoridades mais importantes do país, a um só tempo, não causaria nenhuma desconfiança e nenhuma repercussão internacional.  Nos mais diversos passos  do inquérito está a impressão digital do Palácio do Planalto à época.  Em todos os casos, vejam vocês, envolveram-se  as patentes mais graduadas das Forças Armadas, donde se conclui  que estamos prontos para ensinar técnicas de espionagem ao Mossad e enfrentar, em campo de batalha, o Exército da China.  E o FEBEAFÁ ( Festival de Besteiras que assola as Forças Armadas) está só começando, esperem as cenas dos próximos capítulos quando todo o dramalhão sair do sigilo !

                   A Extrema Direita vive esculachando as Ditaduras da Venezuela e da Nicarágua, mas não tem nenhum pejo em propor uma Ditadura Militar à brasileira, inclusive com o assassinato do presidente do TSE, dos presidente e vice eleitos no Brasil por voto popular. Louve-se a Aeronáutica e o Exército que ao menos demonstraram um pouco de juízo. A mesma turma que vive propondo a Pena de Morte no país e a diminuição da maioridade penal, a proibição de saídas temporárias de presos  das cadeias,  entra com projeto para anistiar os malfeitores antidemocráticos e que não se tornaram assassinos por mera incompetência. Falam em pacificação os que agiram com ódio, rancor, que queriam instalar um Estado de exceção cuja lei seria ditada por eles mesmos, com a receita que já conhecemos: Ditadura, Morte, prisão sem processo legal. Inocentar os criminosos de hoje é apenas chocar o ovo da serpente que irá eclodir logo amanhã. Que se faça a justiça, conforme prevê a Constituição, com ampla possibilidade de defesa (aquela mesma que as ditaduras não sabem do que se trata). Cadeia para os que atentaram contra o maior bem  e dádiva que tem uma nação: A Democracia. E paira em todos nós a pergunta que não se aquieta. Pagos regiamente com nosso dinheiro para que serve mesmo essa tropa, além de usar as armas e a munição que lhes damos para atirar contra nós mesmos ?

 

Crato, 23/11/24