quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Doido Barrido




J. Flávio Vieira

                                               O velho Clotário Libório, antigo funcionário da prefeitura de Matozinho, do alto dos seus trinta anos de experiência como fiscal da fazenda, desconfiou que alguma coisa andava errada na cidade. Clotário trabalhava na Cancela estrategicamente colocada   na rodagem de saída para Bertioga que, como uma aorta, ligava a cidade com o resto do mundo. De carro, tudo que entrasse ou saísse de Matozinho tinha que passar por ali. Arapuca armada, Libório caia de pau em cima dos recalcitrantes sonegadores. Pois bem, nos últimos dias, nosso fiscal começou a notar um êxodo pra lá de esquisito na Cancela. O balanço diário começou a mostrar mais imigração do que emigração. Em tempos de seca braba, como nos últimos anos, essa realidade não era de tudo inexplicável , mas o sexto sentido avisara Libório de que a coisa parecia incomum. Começaram  a sair caminhões e pau-de-araras carregados até a tampa e Libório resolveu dividir suas preocupações com o prefeito Sinderval Bandeira. A maior parte dos veículos era de frete. Pelo andar do carro de boi,  Matozinho corria o risco de se tornar uma cidade fantasma.
                                   Sinderval orientou o funcionário a cadastrar todos os veículos de porte que por acaso saíssem da cidade e preenchesse uma ficha simples: destino, motivo da viagem, tipo de carga transportada , quando retornaria.  Seu termostato político já disparara e Bandeira, ou Bandalheira como era conhecido, temeu a perda de eleitores e, consequentemente, maiores dificuldades em vencer a oposição nas eleições que já se aproximavam.
                                   --- Faça o levantamento, Libório, que a coisa é séria ! Depois de amanhã à tarde, me traga uma posição para que eu possa tomar as devidas providências !
                                   Clotário partiu,  investido de uma missão que lhe parecia salvadora. Tabuleta na mão, ainda naquele dia,   passou a registrar cuidadosamente os dados solicitados pelo chefe.  No dia seguinte, no horário combinado, dirigiu-se à Prefeitura, onde Sinderval e todo Secretariado Municipal o esperavam para a reunião emergencial. Antes de tudo,  Bandeira colocou todos a par do grave problema  imigratório e da conduta que tomara junto com Clotário, no sentido de buscar a origem da crise . Ajeitou-se  na cadeira e começou a sabatina.
                                   --- Quantos caminhões carregados saíram de Matozinho de ontem para hoje, Libório ?
                                   --- Quatro, seu prefeito, tudo abarrotado !
                                   --- Abarrotado de quê , seu Libório ? Que diabos que é que estamos exportando numa seca dessas?
                                   --- Uma Scania carregada de pequenas varas de marmeleiros aparelhadas. Outra  com uma ruma de mulher, acomodada prá tudo quanto é lado. Outro caminhão saiu apinhado  de mendigo e de “drome sujo”e  uma carreta saiu cheia de gari, acho que não ficou nenhum aqui em Matozinho, nem prá se fazer remédio!
                                   --- Foram a passeio ou ainda pensam em voltar ? –Quis saber Sinderval.
                                   --- A maioria vai ficar por lá mesmo, só a ruma de mulher disse que ainda volta.
                                   --- E tão se botando prá onde , seu Libório ?
                                   --- Tudo pro Juazeiro do Norte, seu prefeito!
                                   --- Mas como, por que esse monte de romeiro de uma vez só? Aconteceu algum outro milagre por lá? A hóstia sangrou de novo no beiço da beata?
                                   --- Aconteceu e dos grandes! A Câmara de Vereadores de lá comprou, de uma talagada só, duas toneladas e meia de sabão e quase cinco mil vassouras! O turco Abdu Abraão, aqui de Matozinho, resolveu levar uma carrada de marmeleiro prá lá, pensa enricar vendendo cabo de vassoura. Os garis daqui se reuniram tudo e partiram prá terra do meu Padim na certeza que lá , pela ruma de vassoura adquirida, não vai faltar emprego nos próximos cem anos. Os “drome-sujo” da região também partiram ligeiro em direção ao Cariri : num vai faltar sabão prá tirar o ceroto de cabra nenhum, a redor de duzentas léguas, no próximo milênio.
                                   --- E a récua de mulheres, Libório? Que que foi fazer no Juazeiro? Pagar promessa?
                                   --- Pelo que pesquisei, seu Sinderval, elas foram participar do  “IV Congresso Brasileiro de Sogras e  Ex-mulheres” que foi patrocinado pela Câmara de Vereadores de Juazeiro .
                                   --- Por que o patrocínio da Câmara , seu Libório ? Esse Congresso tem alguma coisa a ver com o Poder Legislativo?
                                   --- Pelo que apurei , o Congresso foi resolvido fazer  lá , porque, no frigir dos ovos,  ficou muito mais em conta. Com a quantidade de vassoura disponível, já está garantido o transporte de volta para todas  elas...

Crato, 22/08/13

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Casa de Tia Júlia





                                   J. Flávio Vieira

                         Nossa casa é o nosso ninho, uma espécie de prolongamento do útero materno. É lá onde nos completamos, onde temos resumida, num ínfimo cantinho,  toda substância do universo. Batem-nos as atribulações à porta , a vida nos prega uma peça e imediatamente nos vem à mente o refúgio da nossa casa , ali onde há uma história em cada tijolo, uma esperança em cada ladrilho, onde o relógio de parede mastiga, incessantemente, os minutos e instantes da existência, junto com  todas nossas tristezas e frustrações. Nossa casa tem uma fragância peculiar, o travesseiro é mais macio, a rede mais confortável , não deve haver nenhum lugar no mundo, por mais rico e abastado que seja, que nos faça mais descansados , leves e acolhidos do que na nossa casinha.
            É possível que seja por isso  nos sentimos tão estrangeiros quando nos hospedamos em residências de amigos e parentes.Por mais amistosos e bons anfitriões que sejam , a comparação é inevitável , em pouco temos uma louca saudade do nosso lugarzinho. Mesmo quando viajamos e nos hospedamos em hotéis , sem a preocupação de estar incomodando ninguém, quando pagamos pelo conforto e pelos serviços, mesmo assim, em pouco , nos vem aquela incontrolável falta de casa. Viajar é bom, principalmente, porque é uma satisfação de mão dupla: bom quando partimos e desenfastiamos da nossa terra e ótimo quando retornamos para casa e megulhamos na tepidez reencontrada do lar- doce- lar.
            Poucas pessoas têm a felicidade de conhecer uma outra casa que tenha os mesmos braços abertos, a mesma sombra acolhedora, a mesma tranquilidade  que a nossa. Os felizardos que tiveram um dia esse privilégio , ganharam metade da vida, muitas vezes encontrando ali, além do aconchego da sua primeira casa, detalhes, peculiaridades que multiplicaram a alegria do primeiro ninho. Nesse outro cantinho, difícil explicar o porquê, nos sentimos, sem nenhuma força de expressão , como em nossa própria casa.
            Fui um desses  raros sortudos. Conheci a Casa da Tia Júlia , uma entidade encantada que vivia com um sorriso nos lábios e uma flor de jasmim no cabelo. Tia Júlia era a própria encarnação da hospitalidade. Todos se sentiam repoltreados, única e exclusivamente porque a querida tia nos acolhia como de casa, sem mudar as rotinas domésticas, sem  criar falsas expectativas . O Almoço era servido às 11 e o jantar às 17 e quem quisesse provar da mais típica cozinha nordestina tinha que estar presente nesses horários sagrados. Qualquer hóspede de última hora era servido se acrescentando um pouco mais de água no feijão e um ovo era sufciente ,às vezes, para empanturrar cinco comensais – a Tia tinha a divina capacidade de refazer o milagre dos pães. Não faltava rede para ninguém e, uma vez, era tamanho o número de hóspedes, que tive que armar a minha  em dois armadores de uma mesma parede e dormi o sono dos arcanjos. A Tia acolhia quem lhe batesse à porta :de parentes distantes a aderentes ou meros conterrâneos. Ali era simples perceber que a felicidade está nas pequenas coisas, nos mínimos e imperceptíveis gestos, que o amor, a bondade, a solidariedade são sentimentos que vivem  nas mais discretas, minúsculas e despretensiosas ações – adoram a penumbra e o anonimato.
            Creio que o mundo seria melhor se conseguíssemos descobrir a essência com que a Tia atapetava a sua casa e que a fazia mágica e encantada , até que um dia ela precisou partir e deixou, entre todos que a conheceram, seu inolvidável cheiro de jasmim...

Crato, 10/09/98

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SIM ? NÃO !




                                               Alguém comparou ao que aconteceu naquele seis  de agosto em Hiroshima, a bomba que começou a pipocar em Matozinho naqueles dias. A cidade ficou em polvorosa, em pé-de-guerra. Todos temiam pelas próximas revelações escabrosas que iam explodindo continuamente, como uma bateria de fogos nas novenas de Santa Genoveva. Esperava-se, a cada instante, pela bomba grande : aquela que finaliza qualquer espetáculo  de show pirotécnico. Nunca se entendeu bem como o primeiro fósforo encostou na rastilho de pólvora. Parece que tudo partiu do prefeito Sinderval Bandeira, também conhecido por Bandalheira. Consta que ele se viu preocupado com as manifestações de julho que tomaram conta de Matozinho , contra algumas falcatruas descobertas na sua administração. Coisa de somenos importância: fraudes nas licitações, desviozinho de verbas do Fundo de Participação, pagamento de propinas aos vereadores para aprovação de alguns projetos do interesse do executivo. Nada que não faça parte das atividades curriculares de um bom político brasileiro. Os estudantes calabrearam as caras com barro do Paranaporã e saíram em passeata com cartazes : “Fora Bandalheira!” Mas há também quem impute as raízes do problema surgido depois a alguns fatos preocupantes , chamados oficialmente  de Atentados Terroristas  da Oposição. Em março, nas comemorações do 7 de Setembro, em Matozinho, a Banda  Cabaçal viu-se impossibilitada de fazer sua apresentação, por conta de um ato claramente terrorista : passaram pimenta malagueta na boca de todos pífaros e em meio aos froc- froc dos beiços inchados friccionando a embocadura dos pífaros, terminou-se por cancelar o evento. Na Festa da Padroeira, por sua vez, sabe-se lá quem, colocaram uma bomba cabeça-de-negro debaixo do altar da missa campal , que explodiu na hora da elevação, lançando hóstias consagradas para tudo quanto é lado, fazendo com que Padre Arcelino quase não torne da pitingula que deu. Por fim, nas comemorações do Dia do Município, um terrorista misturou um vidro de óleo de rícino no imenso panelão coletivo em que se faz tradicionalmente o muncunzá comemorativo da festa.  Servido, faltou moita ao redor de duas léguas e os cabras  terminaram comprando  sabugo a preço de ouro.
                                               O mais provável, no entanto, é que tenha sido a proximidade das eleições a grande força motriz que acabou desencadeando os eventos futuros. Política acirrada em Matozinho, Bandalheira passou a temer o crescimento do candidato de oposição, Juju Cangati. Precisava , assim, de informações privilegiadas sobre o andar da carruagem do seu adversário. Montou-se ele , então, nos motivos mais palatáveis : Risco de a Al qaeda está instalando um escritório terrorista em Matozinho e a necessidade de acompanhar os reclamos das manifestações de rua. Foi assim que criou,meio secretamente,  por Decreto, o S.I.M. : Serviço de Informações de Matozinho. Que foi apelidado pelo povo de DEFOCAMA : Departamento de Fofocas Cabeludas de Matozinho. Para presidi-lo convocou  Totonho Meia Cabeleira, um barbeiro da cidade, conhecido por dar  notícias da vida de todo mundo nas redondezas. Naqueles grotões, sabia, perfeitamente , sem rádio, sem TV, sem telefone, os únicos profissionais habilitados neste ofício eram os fofoqueiros.
                                               Meia-Cabeleira não se fez de rogado, mediante a carta branca cedida por Sinderval, passou a montar sua equipe com profissionais escolhidos a dedo. D. Firulina no Centro da Cidade; D. Afonsina do Sabugo nas imediações e zona rural; Aprígio Língua de Cobra em Bertioga; D. Alterosa , também conhecida como “Urêia de Tisgo”, responsável pelas informações das cidades circunvizinhas e ainda “Sueldo Boca de Sapo”, o carteiro, com permissão expressa de curiar todas as correspondências, lendo-as antes de chegar aos destinatários.
                               Não foi difícil formar a equipe de fofoqueiros profissionais  que já faziam sua função por mero prazer e, agora, seriam remunerados. Só existia um probleminha: exigia-se deles sigilo absoluto o que feria  o Código de Ética da profissão.  O certo é que a partir da estruturação do S.I.M. , Sinderval passou a navegar em oceano pacífico. Antecipou-se a manifestações, negociando antecipadamente com os revolucionários: oferecia empregos na prefeitura aos chefes dos movimentos. Obras destinadas a municípios próximos eram rapidamente desviadas para Matozinho, já que o prefeito alertado pelos fofoqueiros de plantão, procurava os políticos responsáveis pelos projetos e oferecia-lhes vantagens extras. Além do mais, de posse de informações privilegiadas trazidas  principalmente por Sueldo , chantageava inimigos políticos e adversários ameaçando-os de revelar escândalos descobertos pelo S.I.M..  O mais importante de tudo foi a eleição do seu candidato, vencendo todas as expectativas contrárias. O DEFOCAMA conseguiu infiltrar um fofoqueiro na campanha do adversário que passou as estratégias da campanha do candidato de oposição e, aí, foi sopa no mel.
                                               Sinderval estava satisfeitíssimo com os trabalhos do seu J.Edgar Hoover, ali conhecido como Juju Meia Cabeleira. Não existe solução, no entanto, que não traga junto inúmeros outros problemas. Um dia,  “Boca de Sapo” levou uma carta ao vapor da panela e descobriu uma informação terrível. Era uma missiva de um parente seu , desafeto, encaminhada para um irmão dele em São Paulo e lá estava escrito claramente : Sueldo estava levando chifre  do prefeito. Mas seria verdade ?  Fez campana e terminou descobrindo que a informação procedia. Endoidou o cabeção, pensou em matar a esposa e o amante. Resolveu , no entanto, mole como era,  fugir. Partiu para uma cidade distante da região norte do estado. E de lá, começou a desencadear sua vingança. Passou a enviar cartas anônimas a inúmeros cidadãos de Matozinho revelando as fofocas mais cabeludas. Padre Arcelino tinha um colete com o Coroinha : encontravam-se na sacristia à noite e, depois de se entornarem de hóstias e vinho, brincavam de esconde-esconde. Sinderval comprara várias fazendas nas cidades próximas colocadas sempre no nome de laranjas e citava uma por uma, com documentação. A mulher do juiz era falsa à bandeira e o traía com Pedro Jurubeba, esgotador de fossas da cidade. As cartas chegavam religiosamente toda semana, sempre para pessoas diferentes mas escolhidas entre aquelas que tinham maior língua e, sempre, vinham acompanhadas de provas. A cidade vivia um clima de terror, esperando a próxima revelação na semana seguinte. Quem tinha culpa no cartório estava torando diamante com anel de couro.
                                               Sinderval  , o detentor do maior rabo de palha da cidade, entrou em choque. Usou meios políticos para tentar prender seu ex-funcionário e repatriá-lo para Matozinho, para que viesse sofrer  as devidas sanções. O governador do estado, no entanto, Rubião Tebroso, feroz opositor de Sinderval, soube do acontecido e protegeu Boca de Sapo. Em represária , Sueldo, a cavalheiro, contra-atacou. Começou a revelar os podres dos seus antigos companheiros de S.I.M : Firulina, Aprígio, Alterosa, Afonsina. Acossados eles resolveram, então, abrir o jogo, em revanche,  e puseram todo o esterco de Matozinho e vizinhança no ventilador. Foi assim que se descobriu que Sinderval, não era  Sinderval, mas Bianca Butterfly até fazer a cirurgia de mudança de sexo e que a santa Madre Filismina do convento de Nossa Senhora das Saponáceas era proprietária da Boite Sorriso da Noite na Rua do Caneco Amassado.
                                               Na prova oral de história no Colégio Pedro Cangati, semana passada, em meio ao fogo pós Bomba de Matozinho, a professora perguntou ao aluno:
                                               --- Quem descobriu realmente o Brasil, Pedrinho ? Vicente Pinzón ou Pedro Álvares Cabral ?
                                               Pedrinho assuntou e, não teve dúvidas:
                                               --- Acho que foi Sueldo Boca de Sapo, Fessora!

Crato, 09/08/13

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Flávio Leandro puxa seu fio na "A Delicada Trama..."

Olá meu povo! Desculpe-me a ausência! Tirei uma semana de folga para fazer um check-up geral na carcaça que adorna minha alma. Fazendo exames de rotina tive o privilégio de mais uma vez ser atendido pelo Dr José Flávio Vieira. De propósito, claro! Zé Flávio é um cratense, clínico geral, dramaturgo e contista que receita pro corpo os fármacos da ciência e abastece nosso espírito com uma bem arranjada teia de palavras. Em grossos dizeres: um tampa de crush da boa literatura; um tampa de furico da medicina. Em seu último livro, "A Delicada Trama do Labirinto", meu amigo e xará nos brinda com uma boa dose de crônicas do nosso cotidiano que de tão salutares, devem ser tomadas como remédio, três vezes ao dia, todo dia, para que assim possamos aliviar os males crônicos de nossas vidas! PERGUNTA: O que faz um cabra bom desse escondido no Crato? RESPOSTA: O mesmo que um poeta doido faz escondido no seu sítio em Bodocó: ver o tempo passar como se fosse uma gota de soro fisiológico caindo na veia; bebe a vida num canudinho de talo de mamona sem se preocupar com o que ainda resta de refrescante no interior do copo de sua existência. Aquele não quer ser best-seller e, este, não quer ser disco de ouro, nem de platina! Ambos, porém, querem seus enlevos artísticos na aquarela das coisas indeléveis do mundo. Simples assim! Paz, saúde e harmonia. Saudações forrozeiras!

Da página do Facebook do Flávio

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Berro





                                               A  Expocrato, nos seu sessenta anos de existência, tem dado seguidos exemplos da sua vitalidade. Não existe um evento, no interior do Ceará, que  rivalize com a pujança da nossa festa de julho.  Com o passar do tempo, também, se foi solidificando mais seu ramo de entretenimento e se relegando, por outro lado, a do agronegócio. O certo é que a Expocrato congrega e atrai um sem número de cratenses legítimos e adotados e, a segunda semana de julho, termina por se tornar um verdadeiro Congresso  para onde acorrem visitantes, turistas e filhos da cidade espalhados pelo Brasil afora. Batida a poeira da festança, nos últimos anos, abre-se intenso debate sobre a permanência ou não do Parque no seu sítio tradicional. Há proposta antiga do Governo Estadual , administrador do Parque e do evento, pela  transferência para um local mais afastado do miolo da cidade, opinião corroborado hoje, pela atual administração municipal. Do outro lado, há um forte movimento de tradicionalistas e alas políticas de oposição pela manutenção da Expocrato, no lugar onde sempre aconteceu, onde se solidificou e onde arrancou o seu indiscutível sucesso.
                                               Pois bem, amigos ! Um cronista rabo-de-galo como eu, não pode se omitir e fugir de polêmica tão palpitante. Permitam-me pôr minha colher-de-pau nesse angu de caroço. Entendo que o nosso sexagenário Parque de Exposições, no centro da cidade, onde sempre se encontrou, parece bem acolhedor e de fácil acesso. O Crato, no entanto, transformou-se vertiginosamente nestes últimos sessenta anos. Em 1953, quando o Parque foi construído, a Cidade terminava na altura da Rádio Educadora, a partir dali, era uma grande fazenda , não existiam os bairros : Pimenta, Sossego, Grangeiro e o Lameiro mostrava-se como uma sucessão de sítios, com atividade absolutamente rural. O Crato cresceu e, hoje, o nosso Parque está encravado no Centro da Cidade. Os distúrbios e atropelos em julho não inevitáveis. Os engarrafamentos  lembram aqueles das  capitais; estacionamento a preços estratosféricos são quase impossíveis de se encontrar; o som ensurdecedor dos shows de péssima qualidade perturba o sono dos moradores de toda a Vila de Frei Carlos , uma verdadeira afronta aos pacientes do Hospital São Francisco próximo e às almas do Cemitério Nossa Senhora da Piedade  defronte, a quem se deseja tanto repouso eterno, sem falar na agitação que causa nos animais em expostos . Não esquecendo , ainda, os dissabores típicos do pós-evento : proliferação de moscas e muriçocas,  principalmente por conta da sempre deficiente coleta de lixo. Acredito, assim, mesmo estando exposto à sanha dos “amantes mais verdadeiros  do Crato”,  que a mudança , para uma área mais rural , não é só necessária, mas imperiosa.  O espaço extenso  e valioso,bem que poderia ser transformado num parque urbano, no coração da nossa vila, para o gáudio dos seus habitantes, como o Ibirapuera em São Paulo.
                                               A discussão  sobre a transferência ou não do parque,em meio às paixões de lado a lado,  no entanto, tangencia outras ponderações que me parecem mais importantes e pertinentes. Vou elencar algumas  perguntas que não querem calar. A Festa de caráter público, patrocinada pelo Governo Estadual, foi , praticamente, terceirizada. Os espaços são vendidos a preços extorsivos, alguns acima de R$ 10.000,00,  levando a que os preços dos produtos alimentícios e bebidas ali comercializados sejam um verdadeiro acinte à economia popular: latinha de cerveja a R$ 6,00, Caldos a R$ 8,00, tapiocas a R$ 6,00. Estacionamentos cobrados a  R$ 20,00, com pagamento antecipado. No espaço dos shows, além dos ingressos, mesas estavam sendo comercializadas pelas barracas. A qualidade dos alimentos vendidos a preços astronômicos  não passaria numa mínima inspeção de Vigilância Sanitária. Qual o interesse do Estado em cobrar  preços tão extorsivos, se todos já pagamos fielmente nossos impostos ? Isso não arranca da ExploraCrato , como já vem sendo chamada, toda a sua possibilidade de festa realmente popular ?  Uma outra pergunta : A terceirização de todo o espaço destinado aos shows  não é mais uma agressão ao bolso do contribuinte? Não é por isso que só se contratam shows de massa , sertanejos e bandas de forró, excluindo, totalmente grande parcela da população da festividade?  E mais: o Estado, assim, não se está omitindo, totalmente, de fazer Política Cultural ? Os artistas importantes do Cariri foram totalmente alijados da festa  de alguns anos para cá, hoje ainda se apresentam no palco da URCA, mesmo assim só até às 23 horas, quando chega uma ordem para parar tudo, para não prejudicar os péssimos shows que começarão acontecer  no espaço pago . Por que mesmo as barracas externas que pagaram preços extorsivos não podem apresentar shows alternativos além das 23 horas? Algumas sofreram pressão da polícia e tiveram a energia cortada pela desobediência.  Muitos cratenses fugiram para o Festival de Inverno de Garanhuns onde assistiram a shows de Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Zeca Baleiro, absolutamente abertos e grátis. Isso em apenas um dos palcos, havia inúmeros outros: de Cultura Popular, do Mangue Beat, de música Gospel. O orçamento do FIG foi de mais de cem milhões de reais, conseguidos em projetos  com a Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil , a Secretaria de Cultura do Estado  de Pernambuco. Por que não trilhamos os mesmos caminhos ? Será que interessa aos organizadores ter uma festa realmente popular e menos excludente ? Pelo andar da carruagem acredito que será questão de tempo começar-se a cobrar pela entrada no Parque principal, como , inclusive, já vem sendo feito com o “Berro”. Quem viver, verá !  Um outro ponto importante de discussão  é o que fazer do Parque ( velho ou novo), nos outros 358 dias do ano. Ficará parado, sem outra utilidade, para ser usado apenas  no ano subseqüente? Como utilizar uma área  tão agradável e importante  de maneira mais contínua e inteligente ?
                                               Imagino que todas estas questões são bem mais pertinentes de serem discutidas de que apenas a mudança ou não do local da nossa Expocrato.  De nada adiantam investimentos vultosos , se antigos erros continuarem a ser cometidos. Estamos , talvez, já tentando escolher o túmulo mais bonito e vistoso, sem sequer discutir se o moribundo  não teria  alguma possibilidade de  cura.

01/08/13