quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pontes



Parecia previsível : não seria nada fácil o dependurar das chuteiras para Sonevaldo Socó. Aposentadoria para homem é sempre uma espécie de fim: a morte produtiva : aquela que precede ao final golpe de misericórdia desferido pela  lâmina afiadíssima da Velha da Foiçona. De repente, após toda uma vida de batalhas cotidianas, vê-se o sujeito recluso numa cela totalmente desconhecida e inóspita: sua Casa. Como se um maratonista olímpico, de repente, se visse , na imobilidade de uma cadeira-de-rodas. No caso de Sonevaldo, a inadaptação  parecia, de longe, bem mais contundente. Era motorista de caminhão. Passara toda a vida na estrada, transportando carretos Brasil afora. Aquela vida de Indiana Jones, sem destino pré-determinado: as cargas é que o conduziam e não o inverso. Vivia no mundo, passeava em casa! Socó conhecia praticamente todas as vias deste quase continente brasileiro. A cada dia:  novos horizontes, novos conhecidos, novos amigos, novos amores.  De dois em dois meses, aparecia em casa, revia os filhos e a mulher, arrumava os teréns e caía na rodagem novamente. A aproximação da aposentadoria, no entanto, trouxe-lhe mais paz que fastio. Mais de quarenta anos de estrada , a juventude já embotada na poeira das rodovias, Socó imaginou que merecia o recolhimento. Estaria mais próximo dos filhos e da esposa, órfãos de sua presença por quase toda a  existência.
                                               Os primeiros dias com o pé longe do pedal do acelerador lhe trouxeram uma parente tranqüilidade . Aos poucos, no entanto, foi descobrindo que o mundo mudará totalmente enquanto vivia no meio do mundo. Os filhos haviam crescido e já cuidavam da vida e tinham casa própria. A esposa já não era aquela mocinha inocente e garbosa que ali deixara nas primeiras viagens, teimava em aparecer com cãs e rugas salientes .  Os amigos e conhecidos estavam espalhados pelo país, não moravam naquela cidade que, também, crescera e perdera o jeitão de Vila.  Aos poucos o pijama de bolinhas e a cadeira de balança começaram a pesar. Batia-lhe aquela sensação de gado, na fila, aguardando a hora do abate. Tentou ocupar-se em trabalhos domésticos, até descobrir que homem, em casa , não tem qualquer serventia. Imiscui-se em assuntos de que ,de todo, não tem qualquer know-how. Rapidamente se desentendeu com a empregada que há mais de trinta anos servia à família. Voltou-se, então, para a esposa que tomou as dores da funcionária de tantos anos. No fundo, D. Geni percebia que hoje era mais fácil conseguir outro marido que outra empregada como Ambrosina.
                                               Desencadeada a “Guerra dos Cem anos”, Socó resolveu ganhar a rua e procurou os escritórios mais apropriados à sua tribo : os botecos. Caiu na cachaça com uma voracidade impressionante e , cheio de meropéias e de razões,  começou a procurar emboança na rua e também em casa.
                                               O  tempo, que já andava turvo, sujeito a trovoadas e relâmpagos, tomou ares de tempestade. D. Geni  já tinha gasto o guarda-chuvas e o pára-raios com muitos vendavais e resolveu-se pela separação. Mais uma vez, antes da audiência de conciliação, aconteceu o previsto : Enfarte ! O coração de Sonevaldo não agüentou tanto repuxo. Interno, encaminhado à cirurgia ( três pontes de safena e uma mamária), por fim,  abrandou-se a raiva da esposa. Tocou-lhe a alma um sentimento de culpa, ao ver o companheiro de tantos e tantos anos mais chagado que São Francisco.
                                               --  A culpa é minha, devia ter tido mais paciência com ele !
                                               Ao despertar na UTI, Socó pôs-se a pensar com seus tubos,  sondas e cateteres. Depois de percorrer tantas e tantas vias, Brasil afora, chegara num ponto onde a estrada  empacara. Não havia saídas e nem possibilidade de se pegar um retorno. O tempo, então, lhe providenciará aquelas pontes, abertas ao peito,  por onde a vida  , agora poderia fluir mansamente. Até onde ? Até quando !

27/09/12

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Geléia com Pimenta



A princípio,   a notícia pareceu de todo inverossímil. Chegara na praça , de repente, como uma bomba destas que explodem subitamente, em Noite de São João, sem a necessidade de se lhe atearem fogo no estopim. E a praça é a difusora de notícias em cidade do interior. As rodinhas de aposentados, desocupados ali estão ávidas por novidades, sôfregas por um pouco de adrenalina, afinal a desgraça alheia sempre cai nas almas como um lenitivo, um ungüento  para as nossas miudezas e frustrações de todos os dias. Da boca para fora, todos lamentam as catástrofes do vizinho, mas no fundo do coração bate sempre aquele consolo : “Tá vendo? E eu aqui reclamando da vida!”  O câncer, a morte, a falência, a droga aparecem sempre como uma calamidade terrível quando batem , por acaso, na nossa porta; ao adentrarem, no entanto pela janela do vizinho, após o choque inevitável, sempre nos toca aquele conforto do “antes lá do que cá”, do “ainda bem que não foi aqui”.
                                               --- Júlio e Risoleta se separaram !
                                               A notícia que tomou de assalto a praça, naquela manhã, a rigor, não poderia se considerar um furo de  reportagem. Separações de há muito tinham abandonado a prateleira das novidades. Os casais se ajuntam não mais condenados às galés perpétuas, mas cientes da temporariedade dos sentimentos e do dinamismo da vida. Juram não mais “até que a morte nos separe”, mas “até que a vida nos aparte”. O que havia, pois , de inacreditável no caso de Júlio e Risoleta ? É que, amigos, há poucos anos tinham comemorado as Bodas de Prata e sempre perfizeram aquele casal perfeito,  só existente nos romances mais açucarados. Risoleta tinha um pequeno comércio na cidade, no ramo de confecções íntimas e Júlio aposentara-se como bancário  de um tempo em que esta ainda era um profissão de algum status e de remuneração digna.  Tinham dois filhos já formados e casados e que viviam fora, cada um tangendo a vida sem muitos atropelos. O casal sempre fora um modelo de ajuste familiar e, inclusive, era o exemplo sempre citado nas brigas dos outros casais da redondeza : “Você devia ser como Júlio!” “Veja a Risoleta, porque você não se mira no exemplo dela, sua engraçadinha?”
                                               Comentava-se à sorrelfa que a estabilidade do casal devia-se, principalmente, à paciência quase que monástica do nosso Júlio. Calmo, tranqüilo, pacificador, nunca se soube de qualquer atitude sua que ferisse os rígidos preceitos da Glória Kalil. Kardecista de carteirinha,  carregava consigo uma visão muito tolerante e espiritualizada da existência e dos caminhos e veredas dos homens na sua viagem terrestre. A convivência com os filhos, amigos e colegas de trabalho  sempre se mostrara de uma amabilidade a toda prova. Adorava a esposa e a tratava como uma rainha e esta atitude não mudou em nada com o passar dos anos e a chegada das cãs, das estrias e dos pés-de-galinha. Quanto à Risoleta , não se podia dizer o mesmo no trato diário com as outras pessoas. Diziam os mais próximos ser meio volta-seca, meio espoletada. No que tange, no entanto, ao trato familiar, não se lhe sabia de máculas, principalmente na relação direta com o marido ideal que, convenhamos, não podia ser de outra maneira. Por isso mesmo,  a estranheza da notícia que se acentuou mais ainda quando se soube ter partido de Risoleta a decisão irrevogável. Separar-se daquele príncipe ? Que  loucura deu na cabeça daquela doida?
                                               Passaram-se os dias e a novidade confirmou-se. Risoleta saiu de casa e alugou um pequena quitinete em um bairro mais afastado. Júlio permaneceu em casa meio recluso, com suas lembranças . Os dois negavam-se a comentar as miudezas da lavagem de roupa suja com os amigos. Não estava mais dando certo ! Esta era a única frase com que tentavam concluir o fim do relacionamento de  trinta anos. Pagou a pena máxima, Júlio! Havia comentado um amigo mais chegado.
                                               Uns dois meses depois, por fim, a verdade brotou,  na Audiência de Conciliação. O casal viu-se diante do juiz que , os conhecendo de muitos e muitos anos, imaginou , quem sabe, haveria possibilidade ampla de reatamento. Poderia ter sido apenas um pequeno arrufo num casal perfeito que não tinha nenhum traquejo em arranca-rabo e , o primeiro, depois de muitos e muitos anos, poderia ter sido o estouro da barragem, a explosão de alguns poucos ressentimento que puderam ir se acumulando no dia a dia e , represados,  terminaram naquele tsunami. Ouviu, primeiramente, Júlio que, como sempre, educadíssimo, fez um discurso de loas e mais loas à companheira, louvando a convivência benfazeja de tantos e tantos anos e finalizou dizendo não compreender ainda hoje o motivo de estarem separados. Júlio deixou claro que a decisão intempestiva tinha sido tomada pela esposa e que estava pronto a seguir , mais uma vez, a vontade da companheira que escolhera para percorrerem juntos o pomar e também o monturo existência. Como bom espírita tranqüilizou-se : “Seja como for, meritíssimo, estou pronto a seguir meu Karma!”
                                               Antes de ouvir Risoleta, o juiz imaginou que, finalmente, haveria um bom termo, numa Audiência de Conciliação. Geralmente se transformava numa rinha onde se digladiavam dois galos cansados e amargos por nenhum espólio de guerra. A fala da esposa que se seguiu, não podia lhe trazer melhores augúrios:
                                               --- Seu juiz, eu casei com um homem perfeito ! Foram quase trinta anos com Júlio e eu quero que fique bem claro : Não tenho uma mínima coisa sequer para reclamar dele. Uma cara feia, um palavrão, uma discussão, um mau trato , nadicas de nada ! Ele sempre me tratou como uma rainha. Nada me faltou ! Aliás, eu nem precisava ter um desejo! Ele adivinhava e me ofertava antes que eu falasse. É um pai exemplar e mais que isso: um pãe! Aquela mistura de pai e mãe numa só pessoa. Cuidou dos filhos com um desvelo difícil de se ver. E mais, nunca eu soube, durante todos esses anos, de uma só imperfeição, um só deslize na sua conduta em casa, na rua, no trabalho. Júlio, meritíssimo, não existe ! É um santo !
                                               O magistrado respirou fundo e pareceu feliz com o desenrolar dos fatos. No íntimo, no entanto, cutucava-lhe uma desconfiança: por que diabos, então, o gesto tresloucado da mulher, jogando tudo para o alto e tomando aquela decisão inesperada? Salomonicamente , dirigiu-se ao casal e  enfático tentou levar a termo a reunião:
                                               --- Fico feliz pela decisão de vocês reatarem tudo. Podemos , então, dar cabo da ação de divórcio, não é D. Risoleta ?
                                               --- De jeito, nenhum, seu juiz, eu quero a separação !-- Exasperou-se a mulher.
                                               O juiz, confuso, ante à inesperada reviravolta da causa, voltou-se para a esposa de Júlio, já sem muita paciência:
                                               --- Como, minha senhora? Depois de tantos elogios a seu consorte, o homem perfeito ! A senhora quer se separar alegando o quê?
                                               Risoleta, por fim, explanou o que o marido, o juiz e o povo da praça até aquele momento na entendera:
                                               --- Perfeição, seu juiz ! Perfeição! Não há quem agüente viver com um homem perfeito desses, não! Não há ! Júlio é para estar num altar e não numa casa com uma esposa. Perto de tanta perfeição, seu juiz, os defeitos da gente ficam muito mais visíveis. Eu já não estava mais me suportando! Imagine o senhor uma aquarela pintada com um amarelo forte, sem nuances de cores! Com o tempo começa a ofuscar!  Não há olho que agüente tanta luminosidade. Assim é o Júlio, falta-lhe o contraste do claro-escuro, da  sombra e da luz. Até em geléia , já se coloca pimenta, não é ?
                                               Ante a estupefação do marido e do juiz, ela fez suas alegações finais:
                                               --- Pense aí , seu juiz, comer durante trinta anos a mesma comida limpíssima, saudável, mas sem tempero nenhum ! Sem sal, sem pimenta , sem cominho, sem alho,  há quem agüente? O Júlio  parece um doce de gergelim, gostoso, mas durante trinta anos, direto ? Tá doido? Arripunei !
                                               Esclarecidos os fatos, providenciou-se o apartamento dos trapos. No dia seguinte, Rui Pincel  foi visto se dirigindo sorrateiramente ao cabaré. Quando os amigos perguntaram seu destino, ele explicou:
                                               ---  Vou ali na Rua da Saudade botar uns cravos e um salzinho no meu doce, senão a mulher me larga !

20/09/12

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Negando fogo



O Cabo  era um pequeno distrito próximo à Matozinho. Um arruadozinho de pouco mais de trinta casas dispostas de forma pouco regular que se foram amontoando pouco a pouco,  em longos e longos anos. Um dia os viventes daquele oco de mundo  tinham sido moradores da Fazenda do Coronel Serapião Garrido.  Com a viagem derradeira do coronel, a fazenda terminou rateada por muitos herdeiros que foram paulatinamente se desfazendo de suas terras. O fragmento onde hoje se situa o Distrito chamado de “Cabo”  comprara-o  um policial da região chamado Cabo Altino que findou seus dias ,tragicamente, assassinado por um marido ciumento. Como partiu prematuramente, não havia deixado descendentes e as terras , por usucapião, findaram nas mãos dos antigos moradores da época ainda de Serapião. Em homenagem ao policial legaram-lhe o nome de “Cabo Altino” que, com o tempo, por lei do menor esforço, recaiu num simples “Cabotino” e, finalmente, talvez pela feiúra do epíteto,  virou, por fim:  “Cabo”.
                        Passaram-se os anos e o arruadozinho permanecia exatamente o mesmo , motivo de inúmeras chacotas em Matozinho. Dizia-se que ali só se abria nova rua quando caía uma casa. Apelidaram de “Cabo”  um anão da Vila.   E tome-lhe potoca: “Mais atrasado que o Cabo”! “Esse menino num cresce não, é empererecado danado , parece o Cabo”! “O Cabo  é tão atrasado que não muda nunca de patente: não sobe nem prá sargento!” Todos estes chistes precisavam ser ditos à boca miúda, sob pena de algum cabense infiltrado, tomar as dores e resolver a pendenga à força de facão rabo-de-galo.
                        Pois bem, situado bem nosso arruado, voltemos à nossa Matozinho que vivia, naquele momento, em período eleitoral, nas vésperas de eleições para deputado, senador e presidente. Ao contrário do pleito para escolha de prefeito e vereador, aquele não dava muito solavanco nos ânimos matozenses, não ! A coisa permanecia meio morna, meio em banho-maria. Talvez, por isso mesmo, Giba,  o dono do Bar mais famoso da Vila,  estivesse, naquele dia preocupado com razões outras bem distantes de Chapas e Urnas. É que havia combinado  , desde a semana anterior, com o velho Atanásio Jovelino,  para mandar emprestado o jumento de lote de Giba para o distrito do Cabo, com o fito de cobrir algumas éguas .  O dono do bar estava meio agoniado,  primeiro porque se tratava de dia de Feira em Matozinho e, depois, porque mandara  Tõin Catingueira  , seu fiel escudeiro numa fazendola nas cercanias da Vila, na dura missão de pegar o jerico e trazer para cidade. Dali, Zezé da D20, um pegador de frete, já havia lavrado contrato para levar o jumento até às mãos de Atanásio. E aí vem a segunda razão do vexame de Giba:  Zezé havia combinado a viagem para as oito da matina, já passara duas vezes no Bar e, até aquele momento, mais de onze , Tõin Catingueira, que tinha fama de lerdo e macio, não tinha aparecido com a encomenda.
                        Pois bem, para que se entenda bem a história, neste momento, entra em cena uma outra trama. Giba nem lembrava,  mas, na semana anterior, um primo o havia escrito da Capital, pedindo sua ajuda num empreita.  É que um amigo dele era candidato a Deputado Estadual e estava indo para Matozinho na semana seguinte, com fins de fazer campanha e carrear alguns votos. O primo havia recomendado Giba como cicerone:
                        --- Dono de Bar, Giba conhece todo mundo! Ele vai te levar aos melhores cabos eleitorais da região !
                        No azáfama do dia a dia, Giba já nem mais lembrava o pedido do primo. Pois não é que o homem resolveu chegar exatamente naquele dia : em meio à feira, imprensado entre o jumento, Zezé e Catingueira? Apresentou-se ao dono do botequim e este foi muito cordial. Pediu-lhe apenas um tempinho e ficou naquela aflição danada, aguardando a chegada de Tõin que não vinha e a insistência periódica de Zezé que, passando por ali já pela quarta vez, tinha ameaçado cancelar o contrato.
                         O candidato esperou um pouco, enquanto conversava com a clientela matutina do bar: os bêbados mais inveterados e que precisavam tomar a primeira,  para parar aquela tremedeira . Ante o stress de Giba , andando de lado a lado e resmungando :
                        -- Como é que pode uma coisa dessas ? Tõin não chega! Lerdo ! Abestado ! Tratante !
                        O candidato imaginou, com seus santinhos, que a figura aguardada com tanta ansiedade só podia ser um importante cabo eleitoral da região. Tõin que vinha tangendo o jumento de lote, por sua vez, sabia apenas quem alguém transportaria o bicho até o distrito do Cabo e, ciente do atraso,  preparava-se para o esporro do patrão.
                        Quando apontou, por fim, nosso vaqueiro na extremidade da rua, um Giba ,já suando em bicas,   gritou:
                        -- Finalmente  o pomba-lesa do Catingueira chegou !
                        Ao ouvir o abre-te-sésamo , o deputado,  acreditando tratar-se do detentor de uma mina de votos, saiu correndo em desabalada carreira e abraçou nosso vaqueiro efusivamente:
                        --- Bem vindo Catingueira ! Ainda bem que você chegou , rapaz!
                        Catingueira, meio confuso, imaginou que aquele era o homem do frete e que ia transportar nosso jegue até à lua de mel em terras de Atanásio ! Dirigiu-se diretamente ao candidato e entregou-lhe o jumentão de lote que, animado, excitado,  já pressentia as futuras noites de núpcias:
                        --- Pronto ! Taqui o que o sinhô tava esperando! Vossimicê  já pode levar esse jumento até o cabo !
                        O deputado, ante a ameaça , afastou-se rápido, ainda ouvindo as ritmadas batidas do falo jeguiano no bucho,  e negou fogo :
                        --- Que conversa é essa, seu Catingueira? Não meta as pernas pelas mãos não, homem de Deus ! Quem leva jumento até o cabo é eleitor e não político !  Tesconjuro, desgraçado !

13/09/12

terça-feira, 11 de setembro de 2012

"Livro de Graça na Praça"






Participamos este ano, em Belo Horizonte,  do Projeto "Livro de Graça na Praça", com um conto : "Na Nave de Nava". A festa foi linda, com um afluxo incalculável de leitores. Deve-se tudo ao espírito visionário do Prof. José Mauro Costa que vem , com unhas e dentes, tentando ampliar o perfil de leitores do país. No dia 22 de Setembro teremos aqui na Praça da Sé, um pedacinho do Projeto, em terras Caririenses.
Grande Zé Mauro !

Ipês



Qual a manchete mais palpitante desta semana, meus caros   ouvintes ? As peripécias corrupto-sexuais do Renan ? O Toma-Lá-Dá-Cá do Congresso pela aprovação da CPMF ? As repercussões do roubo do Rolex do Huck ? A mais importante  notícia destes dias, talvez tenha passado despercebida da maior parte dos cairirienses. Embotados pela hipnose da TV e da WEB sequer percebemos o milagre que se refaz, a cada dia, à nossa volta. Imersos num mundo cada vez mais virtual,  vamos ,pouco a pouco,  nos afastando da realidade e carregando esta vidinha.com pelos poucos dias  que nos restam.  A tecnologia que tem aproximado eletronicamente, no cyberspace, as pessoas , as tem ensinado um relacionamento impessoal e distante. Faltam o olho-no-olho, o toque, o abraço, o beijo. Namoros podem ser desfeitos com um simples aperto de uma tecla do PC. Adoram-se figuras irreais e fotoshopadas. Os sentimentos são deletados na velocidade da luz. Num mundo já pleno de indiferenças e barreiras   um pode ser formatado pelo amigo, pelo patrão, pelo consumo, pelo namorado. Todos nos tornamos igualmente desnecessários e supérfluos. O amor, o carinho, a compreensão vão sendo sacrificados a cada dia nas salas de chats.
                                   Assim é bem possível que este pobre cronista semanal seja logo taxado de louco, quando anunciar a mais importante notícia desta semana. Pois é, caros ouvintes, o que mais deslumbrante aconteceu nestes dias no nosso mundinho foi justamente a Floração dos Ipês. De repente, como se previamente combinado, os ipês  revestiram-se  de um roxo fosforescente e tingiram toda a Chapada, como que anunciando uma páscoa tardia e atemporal. Aos poucos, num lúbrico strip-tease, peça após peça, os ipês se foram desnudando.  Em poucos dias começaram a revestir o chão com suas vestes :  pétalas, que carregadas pelas asas do vento, em feito de manto, agasalharam as terras caririenses com um violeta algo esmaecido,  mas iridescente. Mal terminara o show, já os Ipês Amarelos tomam de assalto o palco da natureza e florescem um dourado quase que incandescente. Os pés-de-serra , súbito, têm a monotonia do verde quebrada pelo áureo dos ipês lhes imprimindo tons patrióticos, junto com o branco das nuvens, o azul do céu e o agora verde-amarelo das matas. A chapada, ao longe, assemelha-se a uma bandeira desfraldada, tremeluzindo ao sabor da brisa. Nestes dias, as terras caririenses já se recobrem de um tapete auricolor . Os ipês , novamente,  desvestiram suas ricas roupas e como que estendem aos hipnotizados passantes uma esteira dourada onde possam sentar e apreciar a vida com todas suas nuances e cambiantes tonalidades.
                                   O toque monocórdico do computador sequer entende a infinitude de lições que brotam junto com a floração dos ipês. A vida que emerge em ciclos e que brilha em matizes diferentes a cada diferente estação. A florescência que anuncia  multiplicidade  e eternidade , polinizando  o mundo e fertilizando a terra. A grandeza de perceber que as mesmas pétalas que encantam os olhos e douram a natureza na primavera , serão o humilde tapete e a delicada alcatifa que no outono confortarão os pés cansados do viandante. E mais que tudo a beleza da vida dura um único, inefável  e etéreo momento, que se esvai num átimo, como a fulgurante floração dos ipês. Num piscar de olhos, o êxtase foge de nossa vista e só servirá de lembrança e de manto nos dias de inverno que se já prenunciam. A Vida é já. 

Outubro/ 2007

 Ilustração : Reginaldo Farias /2011