quinta-feira, 26 de julho de 2012

Vestibular em Matozinho


Matozinho teve sua primeira escola regular sob a batuta, ou a palmatória,  de D. Filomena Garrido. Sistemática, rigorosa, D. Filó alfabetizou muitas gerações de matozenses,  com a indispensável ajuda de bolos e chulipas. Cabra aprendia o ABC ou largava  o couro das mãos. Até em Piaget ela daria pesqueiro. Só muitos anos depois,  surgiu o primeiro Grupo Escolar que  estendia os estudos  até o Exame de Admissão , o que já era de causar admiração. Já nos anos 70, fundou-se o Colégio Filomena Garrido, em homenagem à primeira educadora da cidade, naquelas alturas já ministrando aulas na corte celeste. O Colégio fez com que os primeiros matozenses conseguissem completar todo o Ensino Médio. Causou certa estranheza, pois, que a partir dos anos 90 começasse uma avalanche de Faculdades a se instalar na ainda pobre e provinciana vila de Matozinho. Primeiro foi uma Faculdade Pública estadual com um nome meio estrambótico : FAVAJU – Faculdades do Vale da Jurumenha. Oferecia alguns poucos cursos como Contabilidade, Pedagogia, Letras, Geografia.  Instalada por Sindé Bandeira, o prefeito, a FAVAJU era pública, mas cobrava uma ajuda de custo aos alunos, para manutenção. Logo depois, começaram a aparecer extensões de outras Faculdades do Estado, todas elas públicas, mas também pagas . E, por fim, instalaram-se mais três Faculdades particulares em Matozinho. Contavam-se, em poucos anos, mais de sete Faculdades oferecendo cursos superiores, numa região pobre e, mais, com altos índices de analfabetismo.
                                               Como era previsível, rápido se estabeleceu uma grande concorrência por alunos. Sindé Bandeira , preocupado com a sobrevivência dos cursos, encaminhou um Decreto-Lei para a Câmara de Vereadores, aprovado por unanimidade, em que tirava a exigência de qualquer histórico escolar para acesso ao Nível Superior. Basta passar no Vestibular, dizia Sindé! Justificava-se dizendo  não podia haver preconceito: a ordem é inclusão, meus amigos ! Mouco, Surdo, Cego, Doido não podem entrar na Faculdade? Por que analfabeto tem que ser discriminado? Que faça o vestibular! E mais, tem que ter uma pessoa para acompanhar e ler as questões e, também, dar uma ajudazinha. A Secretaria de Educação, também, reuniu-se com as diversas Faculdades no sentido de facilitarem um pouco as questões do exame seletivo. Aí apareceram quesitos mais fáceis como : “O Prefeito de Matozinho é Sinderval: a) Fâmula; b) Hino; c) Bandeira; d) Mastro. Abriram-se ainda cursos superiores em áreas mais apetitosas ao povão : “Chapéu, Arupemba, Balaio e Caçuá”; “Landuá Soca-Soca , Bodoque e Baladeira”; “Macramê, Fuxico, Bordado,  e Frivolitê”; “Rosário de Coco, Passa-Raiva, Filhós e Quebra-Queixo”; “Tabaqueiro, Tamanco, Palito e Chapéu de Couro”.
                                               Tomadas as devidas providências,  a vida universitária em Matozinho tem ido de vento em popa. Daqui a mais dois ou três anos vamos ter doutor de sobra na cidade, já vaticinou Zé Fubuia. O Matadouro Municipal está atrás de contratar um auxiliar de limpador de tripa , mas já veio com exigência : só aceita com nível superior e de anelão no dedo!
                                               Mês passado  aconteceu mais um Vestibular Integrado das Faculdades de Matozinho-- INFAME , nos últimos anos trazendo um grande afluxo de pessoas das cidades próximos que perfazem a Grande Matozinho. Em Serrinha dos Nicodemos, Gilberto da Topic fazia contratos com alguns alunos para levar e trazê-los após as provas . Naquele semestre transportou doze estudantes de Serrinha e mais cinco de Aparecida do Norte, um outro arruado, distrito de Matozinho. Conduzia-os pela manhã e trazia-os após as provas. Marcado o dia da publicação do resultado final  do INFAME, os alunos o contrataram novamente para ir até a  FAVAJU , verificar se tinham sido aprovados. O topiqueiro se dirigiu à Secretaria da Faculdade e lá explicou que se chamava Gilberto e tinha vindo de Serrinha dos Nicodemos e Aparecida do Norte a mando de alguns estudantes para saber se tinham passado no Vestibular. Entregou a relação dos alunos   a uma mocinha fardada, com crachá da Faculdade que a identificava como Secretária. A burocrata folheou uma extensa relação de nomes e foi pouco a pouco procedendo à checklist dos vestibulandos. Parou por um momento o caqueado  e voltou a perguntar o nome do motorista.
                               --  Gilberto de Serrinha do Nicodemos e Aparecida, minha senhora !
                               Passados alguns instantes, a mocinha voltou toda sorrisos e avisou:
                               -- Meus parabéns, por coincidência todos foram aprovados ! Aproveite e dê nossas mais profundas congratulações aos novos universitários, em especial ao Sr. Gilberto ,ao Sr. Nicodemos que obtiveram  médias ótimas  e, principalmente à Sra. Aparecida do Norte, ela é cobra : tirou o segundo lugar !

26/07/12

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Lições de Tsunamis e Maremotos


 
                                                               
                                                                       “Tradição é a ilusão da permanência”
                                                                                                                                                             Woody Allen

Diante de todas as críticas, ante tantos detratores, temos que concordar, amigos: a EXPO/Crato  tem demonstrado uma pujança impressionante nos seus mais de sessenta anos de existência. Encravada estrategicamente  nas férias de meio de ano, quando incontáveis filhos da terra acorrem com saudades do Cariri, a Exposição  tem se fortalecido ano a ano,  batendo todos recordes de público , se comparada com outros eventos do Sul Cearense. Falar mal da Expocrato já se tornou quase um divertimento por estas bandas , já faz parte do cotidiano da nossa cidade e, a história tem demonstrado, apesar do olho de seca pimenta dos nossos conterrâneos, a Expô só tem prosperado. Sendo assim, diante da imunidade absoluta aos impropérios da população, me sinto à cavaleiro para também pinicar o oratório da nossa mais tradicional festa. Sei que pouca coisa há de mudar, que a festividade continuará com um público invejável e que os organizadores estarão se lixando para minha visão pessoal e realista. Mas que jeito, né? De tanto gritar no deserto a gente termina por se acostumar ao monólogo  e  a perceber miragens de  um tempo mais bonito e menos caótico.Pois aí vão algumas elucubrações de um velho meio ranheta—a quem interessar possa -- e que nas duas últimas Exposições se recusou a participar da pantomima.
                                               Continuo visceralmente contrário à terceirizações dos shows do Palco Principal.  Parece-me de uma imensa preguiça política a terceirização. Sob o pretexto de baratear a programação ao Estado, se obriga a população a engolir shows de péssima qualidade e a preços abusivos . E mais, o  estado se imiscui da sua função básica  de promover Política Cultural. É possível sim, trabalhar com projetos e fazer uma grade gratuita de shows de ótima qualidade como o Festival de Inverno de Garanhuns vem fazendo há vários anos. O que há por traz das negociatas das terceirizações ?
                                               Não existe nenhuma justificativa plausível para a total exclusão dos artistas caririenses na programação principal da Exposição do Crato. Quem decide pela imolação de tantos valores ? Os mesmos que nos palanques enchem a boca chamando  “Cidade da Cultura ? Que homenageiam o grande Gonzagão com o Forró de Plástico: sem Dominguinhos, sem Flávio Leandro , sem Waldonis, sem Flávio José ?  
                                               A mais popular das festas caririenses loteia o Parque Estadual  a preços caríssimos e que termina sendo bancados pelo povo.  Houve shows em que os ingressos chegaram a ser vendidos a mais de cem reais. As barracas do Palco principal cobravam mesas a cinqüenta reais, fora o consumo normal, um pratinho de petiscos vendia-se a quarenta e cinco pilas. Alguns visitantes propunham inclusive  trocar o nome do evento para Explora/ Crato. Espaço público utilizado numa festa pública com tantos envolvimentos do setor privado, como é feita a prestação de contas ?
                                               É de  uma total irresponsabilidade a sujeira do Parque. Sem depósitos adequados e sem a educação necessária, o lixo é jogado no chão e vai se acumulando dia após dia. No sábado aquilo já parecia um grande Lixão. Por que não há coleta sistemática e diária? A higiene da maior parte das barracas era de fazer engulhar. Quem deu o alvará para o funcionamento? Quem fiscaliza o uso e manuseio dos alimentos a serem preparados?
                                               Ficou para mim mais que provado que o atual Parque de Exposição não tem mais estrutura nenhuma para abrigar um evento de tamanha magnitude. O trânsito ficou extremamente caótico, o fluxo no próprio local , no penúltimo dia, estava praticamente impossível e o som das bandas infernizou a vida de toda uma população circunvizinha. A cidade cresceu muito nos últimos sessenta anos, é preciso sim, repensar o espaço. Vamos construir um outro fora da Cidade e pensar em utilizá-lo durante todo o ano em outras atividades. O atual pode se transformar num parque florestal urbano para os deleites de lazer do nosso povo e continuará, sim, presente nas nossas vidas e nas nossas tradições.
                                               Sei perfeitamente que escrevo essas palavras  sobre as águas. Têm a força de um instante líquido e fugaz. Mas deixem-me sonhar que terão o poder de chegar aos tímpanos do tempo com lições de tsunamis e de maremotos.

19/07/12

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Fótons


A notícia da semana , amigos, diz respeito à caça de um bicho esquisito , vasqueiro , mais escondido que laranja de bicheiro e falcatrua de político. A mídia pipocou nos ares que tinham capturado o elemento escorregadio, nas Europas, onde foi armado  um alçapão que apelidaram de Acelerador de Partículas. Há já alguns anos,  perseguem o bicho que ninguém nunca viu, não se sabe o jeitão dele. Existem só fofocas e disse-me-disse em torno da estrovenga que carrega um nome estranho e pomposo: Bóson de Higgs. O Higgs foi o primeiro caçador que espalhou, mundo afora, a história sobre a existência desse bicho quase mitológico, parente da Caipora e  do Pai-da-Mata. O certo é que até o presente momento, a coisa parece mais potoca de caçador: ninguém trouxe o rabo do bicho, uma pena do gogó, uma foto, nada: só lero-lero.
                        Como, sempre, em toda Mitologia,a importância do  ser mitológico é vultosíssima. O Bóson, amigos, seria uma pequena partícula que deve existir dentro do núcleo do átomo. Ela serviria como uma espécie de cola para outras 12 partículas aí existentes e um tipo de mensageiro entre elas. Acredita-se que tenha provindo ainda do Big-Bang e seria responsável, na sua primariedade, por dar massa a todos os componentes do Universo. É , na realidade, uma possibilidade teórica, criada dentro de um modelo de Física Atômica que procura, desesperadamente, avançar na compreensão da intimidade da Matéria.De tamanho ínfimo e de uma instabilidades extrema -- rapidamente se transforma em energia-- sua captura é um desafio tremendo.  Há quarenta anos se busca confirmar a sua existência, nestes dias divulgaram-se evidências, embora ainda preliminares,  de que de fato existe. Seria como se tivéssemos capturado a Baleia acorrentada abaixo do altar de Nossa Senhora da Penha, aqui no Crato.  Dizem ter matado a cobra, mas ainda não mostraram o pau, nem o couro do ofídio.
                        Impressionante os avanços da Ciência nos últimos séculos. Conseguiu sobreviver em meio às trevas, à perseguição religiosa, à fé cega e à faca amolada. Degrau após degrau foi fundamentando a escada do conhecimento, tantas e tantas vezes usando como argamassa a cinza de cientistas queimados nas fogueiras da inquisição. A curiosidade, a desconfiança venceram as trevas da fé cega, das pseudoverdades inquestionáveis. A Metodologia Científica pouco a pouco foi substituindo crenças arcaicas, lendas, superstições  empurradas goela abaixo por  gerações e mais gerações de sacerdotes das mais variadas  Mitologias. Darwin reescreveu o Gênesis, a Medicina desmistificou as pragas como castigo divino, a Genética, a cada dia, substitui o sopro primal. Até do Apocalipse a Energia Atômica já se apoderou.
                                   Mais dia, menos dia, capturaremos, por fim, o Bóson de Higgs e teremos em mãos a semente primária donde tudo começou. O leitor pode até replicar que a Ciência não explica tudo, que ficam buracos imensos em toda teoria. Tudo bem, mas a Religião, amigos, explica bem menos. Sempre precisamos de alguns mistérios , como os da Santíssima Trindade ou similares e mais: acreditar, cegamente, em potocas bem mais cabeludas que as dos Bósons . Não vale perguntar, não vale questionar se não as espadas flamejantes nos aguardam para a expulsão do Paraíso.
                                   Percebo, no  entanto, que, se o Bóson , uma vez capturado, nos possa explicar muito da nossa presença física no Universo, falta-nos ainda descobrir uma partícula ( inexistente nos Livros Sagrados e nos Compêndios da Física) que nos desvende essa viagem fugaz,  etérea, profundamente emocional  e que ante a imensidão do Universo, tem a durabilidade de fóton do Bóson de Higgs: a Vida. 

Recife, 05/07/12